O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 10 de janeiro de 2018
“SETE DE ESPADAS” - UM NOME INCONTORNÁVEL
Sempre que falamos de desportos mentais, nomeadamente de Policiário, a referência ao nome de Sete de Espadas é incontornável. Os nossos leitores que só agora, ou muito recentemente, tomaram contacto com esta modalidade desconhecerão provavelmente a sua notável importância na divulgação e consolidação deste nosso passatempo, amplamente reconhecido como um veículo importante no estímulo da leitura e sua interpretação, no desenvolvimento do sentido de análise, do poder de síntese e do espírito observador. Nascido na Chamusca, distrito de Santarém, em 1 de fevereiro de 1921, faz agora exatamente 97 anos, o Sete de Espadas, que também se assinava como Tharuga Lattas (apelidos de família), iniciou a sua atividade policiária, em 12 de Janeiro de 1947, como orientador de um espaço no Jornal de Sintra, com o título “Mistério e Aventura”, que ele definia em subtítulo como “secção policial”.
A última vez que estivemos com o Sete de Espadas foi há cerca de treze anos, no Fórum da Maia, num convívio organizado pela Tertúlia Policiária do Norte, onde foi homenageado com a Lupa de Honra, troféu com que aquela associação informal se propunha prestigiar anualmente um ilustre membro da família policiária nacional. Comovido, Sete de Espadas agradeceu a simpatia do reconhecimento e começou a desfiar as suas memórias, que nos levaram até aos seus nove anos de idade, altura em que entrou na escola. Ficámos então a saber que concluiu o ensino primário em apenas dois anos e que quando entrou para o Liceu descobriu num livro policial o nome que adotaria como pseudónimo até aos fim dos seus dias: Sete de Espadas! E foi com esse nome que andou pelos mais variados jornais, revistas e livros, a promover o policiarismo, a literatura policial, o charadismo e as palavras cruzadas, ao longo de quase seis intensas décadas.
Durante todo esse tempo, cultivou amizades inabaláveis, formou e fidelizou leitores nas publicações onde colaborou, conquistou milhares de praticantes para o policiarismo, promoveu o gosto pela escrita e pela leitura junto dos jovens de diferentes gerações, estimulou contistas e romancistas, divulgou os melhores autores e ensaístas do género policial, acompanhou a par-e-passo a carreira de decifradores e produtores de enigmas policiais… ajudou a formar Homens! Nomes grandes da cultura, das artes, das letras, do desporto, da medicina, das forças armadas e… até da política. Alguns chegaram a ministro. Mas Sete de Espadas nunca os “denunciou”. Se eles usavam pseudónimo, era esse o nome que contava – disse ele. Mas, talvez sem querer, deixou escapar a identidade de alguns policiaristas com posição de relevo na sociedade portuguesa, como Matos Maia (ilustre homem da rádio), Luís Filipe Costa (radialista, jornalista e realizador de cinema), Firmino Miguel (general do Exército e ministro da Defesa dos I e II Governos Provisórios e do I Governo Constitucional de pós-Revolução de 25 Abril de 1974.
Boa parte dos mais destacados praticantes do policiário iniciaram-se nas secções orientadas por Sete de Espadas e todos eles respeitam e honram o seu nome, considerando-o como o maior divulgador de sempre do desporto mental no nosso país. Mas não se pense, porém, que foi fácil o seu trabalho. Houve alturas em que desanimou. Cansou-se da modalidade, afastou-se por algum tempo e esteve dezassete anos sem ler nada… de policial. Mas não resistiu aos apelos dos amigos e ao “bichinho” do policiarismo e voltou com novo fôlego, ainda com mais vontade de ensinar… e de aprender com cada um de nós, sobretudo com os mais novos (sempre os mais novos – o seu universo preferido). E já que falamos nos mais novos, não podemos deixar de recordar os grandes convívios por ele organizados, onde era digno de ser visto o grande número de pais que chegavam junto do Sete de Espadas e lhe confiavam os seus filhos, como se confia a um avô. E eles lá ficavam, num são convívio, junto da tribo policiária.
São já poucos os policiaristas em atividade que acompanharam o Sete de Espadas nas grandes aventuras promovidas pelo Clube de Literatura Policial de boa memória ou nas secções por ele orientadas no jornal Camarada e no Cavaleiro Andante e em tantas outras insertas nas mais diversas publicações, durante os anos 1940/1960. Mas a esmagadora maioria dos atuais praticantes desta modalidade viveram, e jamais esquecerão, aquele que foi o marco decisivo na história do policiário no nosso país. Decorria então o ano de 1975, quando, no dia 13 de março, apareceu nas bancas, em todas as papelarias, quiosques e outros pontos de venda de jornais e revistas, mais uma edição do Mundo de Aventuras – uma revista de histórias aos quadradinhos –, que continha nas suas últimas páginas uma secção denominada “Mistério… Policiário”, assinada por Sete de Espadas. E foi a partir deste preciso momento que se gerou um novo impulso no crescimento desta nossa modalidade, envolvendo toda uma geração de jovens, alguns muito jovens, com menos de 12 anos, que geraram um movimento que nos trouxe até aos dias de hoje.
A partir daquele momento, a literatura policial conheceu uma grande e inusitada procura, traduzida na corrida desenfreada da malta mais nova às livrarias e alfarrabistas em busca dos grandes clássicos do género, o que acabaria por originar o surgimento de novos escritores nos escaparates. Ao mesmo tempo, os convívios policiários passaram a ter um número considerável de participantes, com a malta nova “nascida” da revista Mundo de Aventuras em franca confraternização com os “dinossauros” do policiarismo, tratando-se por pseudónimos escolhidos pelos próprios, com inspiração nas personagens da banda desenhada e da literatura policial ou construídos a partir dos nomes de batismo, nomes que muitas vezes ficavam desconhecidos entre todos. E no centro disto tudo estava um homem simpático de barbas brancas e cabelo ralo, com um sorriso permanente nos lábios: o Sete de Espadas. Ele partiu no dia 10 de dezembro de 2008, deixando uma eterna saudade nos que com ele cresceram… e tentam agora continuar a sua obra.
CONCURSO DE ENIGMAS POLICIAIS
Para além do próximo torneio de decifração, de que daremos notícia numa das próximas edições, informamos que está já em andamento a nossa mais jovem iniciativa: “Mãos à Escrita!” - um concurso de produção de enigmas policiários, aberto a todos os que se queiram “aventurar” na escrita deste género de ficção, sem temática definida, tendo apenas como condição o limite máximo da dimensão do enunciado (duas páginas A4, com o tipo de letra Times New Roman, corpo de letra 12 e espaçamento de 1,5 linhas). Os textos concorrentes, que terão de ser enviados por e-mail, para o endereço
salvadorpereirasantos@hotmail.com, devem incluir a respetiva solução (com o máximo de página e meia A4, com o mesmo espaçamento e idêntico tipo e corpo de letra). O regulamento deste concurso será publicado na próxima edição.
O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 20 de dezembro de 2017
UM FINAL SURPRENDENTE NO ÚLTIMO CASO DO INSP. CARREIRA
O conto vencedor do concurso “Um Caso Policial em Gaia”, que tem animado as últimas edições da nossa secção, chega hoje ao fim. O inspetor Carreira, o seu protagonista, depois de ter perseguido e dominado a quase totalidade dos membros de uma perigosa rede de criminosos que operava em Vila Nova de Gaia, desapareceu misteriosamente. Os seus colegas da Judiciária suspeitam que terá sido ele o autor da morte dos dois meliantes que haviam escapado à prisão, porque os dados laboratoriais não deixavam margem para qualquer dúvida: fora a sua arma que disparara os tiros mortais encontrados nos dois corpos. Iniciou-se, por isso, uma autêntica caça ao homem. Era necessário que a PJ chegasse ao inspetor Carreira antes de qualquer outra força policial ou de um possível cúmplice dos dois criminosos abatidos, eventualmente ainda em liberdade. Mas será que os seus colegas conseguem chegar a tempo? É o que vamos ficar a saber.
Sol de Inverno, de Luís Pessoa
VI (última) - Parte
Já a tarde ia alta quando um taxista revelou que transportou Carreira até à Estação de Campanhã. Acabou por dizer que na altura notou um cheiro intenso a pólvora, que ele bem identificou porque é caçador, mas nem sequer levantou qualquer suspeita. Identificou a fotografia de Carreira.
Imediatamente a busca passou pelos horários dos comboios. Provavelmente Carreira tomou um comboio para Lisboa. O Chefe acabou por ligar para um seu colega da capital, pondo-o ao corrente e pedindo-lhe que verificasse, a título não oficial, se Carreira estaria por lá.
- Farinha, temos um telefonema de um taberneiro da Ajuda, chamado “Ti’Stalo”, ou coisa que o valha, que diz que o Carreira passou lá pelo estabelecimento dele e que estava muito esquisito…
- Ó Barroso, o Carreira está para o Norte…
- Parece que não. O taberneiro diz que o conhece há montes de anos e é cliente dele…
Uma chamada rápida ao Chefe e este a dar-lhe ordem para seguir imediatamente para lá, porque havia recebido um alerta dos colegas do Porto, para o deterem.
O carro parou a escassos metros da tasca e dele saíram três homens, que se dirigiram para dentro do obscuro estabelecimento. Alguns pares de olhos elevaram-se dos copos cuidadosamente tapados com a famosa bolacha de água e sal e fixaram-se nos visitantes. O taberneiro rodeou o balcão e veio de imediato:
- Os senhores da Polícia?
- Somos.
- Ainda bem. Estou muito preocupado. O senhor Carreira sempre foi meu cliente e nunca o vi assim. Vinha beber um ou dois copos, de vez em quando, e ficava algum tempo a saborear. Hoje não! Entrou e bebeu uma meia dúzia num instante e saiu sem conversa!
- Foi para casa? – perguntou Farinha.
- Sim, senhor, aquela vivenda, ali em cima. Mas há muito tempo que não vejo lá movimento, nem ele, nem a mulher, nem mesmo os filhos. Julgo que não estão cá, às vezes vão temporadas para fora… Mas hoje vi o senhor Carreira entrar, há um bom bocado…
- Fique aqui!... – ordenou ao tasqueiro – e não deixe ninguém sair, ok?
- Está bem, senhor inspetor.
- Vamos lá! – ordenou ao Barroso e ao Silva, que deitaram a mão à respetiva arma, instintivamente, como que a confirmar a sua presença. – Calma, não vamos precisar disso, é o Carreira, que diabo!
Já na rua, avançaram cautelosamente.
- Silva, toma conta das traseiras, Barroso, vem comigo…
Tocou à campainha e fez-se ouvir um som estridente no interior da habitação, mas não houve qualquer resposta.
Pressionou a campainha novamente, sem melhor resultado. Do interior, apenas silencio…
- Carreira! – chamou – Abre a porta, pá, sou eu, o Farinha e estou com o Barroso, só queremos falar contigo!
Silêncio absoluto.
- Porra, Farinha, o que fazemos agora? – o Barroso dava sinais de nervosismo.
Entretanto, chegou um carro com mais agentes, que levantou muita curiosidade naquele bairro pacato, onde nada acontecia. Farinha receava que se reunissem muitas pessoas, movidas pela curiosidade e deu a ordem para que porta fosse deitada abaixo, no preciso momento em que se ouviu uma denotação vinda do interior, que fez com que todos se deitassem no chão, por precaução e rotina…
- Vocês, porta abaixo!
Com uma investida rápida, mas musculada, a porta cedeu… Farinha e Barroso precipitaram-se para o interior… Um cheiro nauseabundo invadiu as narinas, fazendo-os recuar um pouco, antes de avançarem, alcançando o quarto…
Farinha recuou, horrorizado, e Barroso sentiu-se desfalecer, apesar da experiência que ambos tinham e o muito que já viram…
Sobre a cama, longa, repousavam os corpos, em decomposição, de Vera e dos dois filhos e junto a eles, o cadáver recente de Carreira, ainda ensanguentado junto do ouvido direito, onde entrara o projétil que finalmente lhe deu descanso.
Os agentes que entretanto foram entrando, logo deixavam cair os braços ao longo do corpo, segurando as armas, parecendo hipnotizados perante tal violência… Um deles começou a vomitar, sem conseguir desviar o olhar…
Por longos segundos, que pareceram horas, assim estiveram todos, perdidos no tempo… As lágrimas corriam pela face de Farinha, quem estava ali era o seu melhor amigo, Carreira e a Vera… E os miúdos que tanto adorava, como se fossem seus, parceiros de tantas brincadeiras…
Em cima de uma pequena mesa, repousava uma carta em envelope fechado, com um nome manuscrito: Farinha. Mas ninguém parecia notar, tal a força do quadro que prendia os olhares.
Foi Barroso quem ergueu o envelope e o entregou a Farinha. Este tomou o caminho do exterior, completamente destroçado, com os olhos rasos de lágrimas teimosas. Abriu o sobrescrito e retirou um pequeno papel onde se lia, com a caligrafia habitual de Carreira, estranhamente serena:
“Farinha, meu bom amigo:
Peço-te que me perdoes, mas não posso deixar que me prendam. A minha vida acabou quando há muito tempo entrei em casa e vi o que tu estás a ver. A partir daquele momento, só vivi para vingar os meus amores e não estou arrependido do que fiz.
Quando te lembrares de nós todos, não nos recordes assim, mas nas brincadeiras em que todos entravamos, nas festas que fizemos, nas férias, nos momentos bons que vivemos.
Vou juntar-me aos meus amores. Peço-te por tudo que nos deixem ficar juntos. Não me julgues mal, meu bom amigo.
Carreira.”