O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 20 de maio de 2020
O “BORDA
D’ÁGUA DO CONTO CURTO” ESTÁ DE REGRESSO
Apesar de ter decidido suspender o
seu tradicional convívio anual, que se realiza regularmente no mês de maio de
cada ano, a Tertúlia Policiária da Liberdade (TPL) manteve uma das suas mais “jovens”
iniciativas: a edição da publicação a que deu título de “Borda d’Água do Conto
Curto”, onde um grupo de 12 escritores da “tribo policiária nacional” se inspira
em cada um dos meses do ano e produz um “conjunto de micronarrativas mais ou
menos cómicas, mais ou menos melodramáticas, mais ou menos filosóficas, mais ou
menos premonitórias... onde o crime e os criminosos ou as forças que os combatem
e as suas vítimas são protagonistas quase absolutos”.
A edição de 2020 desta publicação da TPL contém contos assinados por A.B.Rótea
(Setúbal), Arnes (Trofa), Búfalos Associados (Sintra), Detetive Jeremias
(Almeirim), Inspetor Aranha (Santarém), Inspetor Boavida (Almada), Inspetor
Mokada (Gaia), Inspetor Moscardo (Santarém), Jartur (Porto), Ma(r)ta Hari
(Gaia), Rigor Mortis (Lisboa) e Zé (Viseu). Mais importante do que a qualidade
dos originais, o que importa é dar espaço à imaginação dos seus autores e
expô-la à curiosidade dos leitores, homens e mulheres com um gosto particular
pela literatura policial e amantes da problemística policiária, desafiando-os a
experimentar a escrita.
Um desses contos, da autoria de Inspetor Boavida, tem “honras” de
pré-publicação nesta edição d’ O Desafio dos Enigmas, não porque se distinga postivamente
dos demais pela sua qualidade ou qualquer outra virtude, mas porque o seu autor
manifestou desde logo a disponibilidade para que a obra fosse dada a conhecer
aos nossos leitores e potenciais contistas que ainda estejam na dúvida se devem
ou não enviar os seus originais para o concurso “Um Caso Policial em Gaia”, com
o receio de se exporem ao veredicto das pessoas que nos leem.
CONTO DE AGOSTO
“Um Desejo Irresistível Sob o Sol de Agosto”,
de Inspetor Boavida
Tó-Zé já está um homenzinho. Está na idade da imortalidade e de todos
os disparates, em que não há impossíveis nem limites para os sonhos. Mas,
felizmente, não é de muitos excessos. A não ser nas suas relações com as
miúdas. Este ano já lhe contaram mais de dez namoradas, todas elas giras. E no
inicio deste verão soube-se que chegou a andar com três ao mesmo tempo, o
maroto. Mas mal agosto nasceu tudo acabou. Como sempre acontece, assim que
chegou a data de partir para férias, rompeu com todas. Nessa altura quer ser
livre como os passarinhos que vê ao acordar através da janela do seu quarto,
cantando só para ele. Este ano, porém, um dos seus mais irresistíveis desejos
levaram-no a cometer um grande disparate.
Ela deixava-o louco. Há semanas que aparecia dengosa, invariavelmente à
mesma hora, após o almoço, sempre que ele se sentava naquele banco do jardim a
gozar as delícias do verão que há muito nascera. O sol, lá no alto, brilhava em
quase todo o seu esplendor. E ela lá vinha, sorrateiramente, insinuante,
levemente, esvoaçante. Aproximava-se do banco fronteiro e por lá ficava
enquanto ele lia tranquilamente um livro. Aos poucos, ele foi ficando cada vez
mais impaciente, com o desejo de se aproximar dela, sentar-se a seu lado e
olhá-la de perto, admirar a sua frágil figura, inalar o seu cheiro... Qual
seria o seu odor, o perfume do seu pequeno corpo?... Que calor ela irradiava,
que sensações seria capaz de transmitir?...
O desejo de a conhecer melhor era muito, mas o medo de a perder para
sempre também. Aos poucos foi ganhando coragem e um dia lá se levantou,
discretamente, deixando o livro no seu assento à espera de qualquer reação dela.
Da primeira vez que o fez, mal esboçou deslocar-se em sua direção, ela
pressentiu a intenção de se sentar a seu lado e partiu. Ele fez nos dias
seguintes várias tentativas e o resultado foi sempre o mesmo: A fuga! Adotou
depois nova estratégia e manteve-se sempre no seu lugar, de olhos postos nela,
com o livro esquecido a seu lado para que ela percebesse que já nada mais o
interessava, se não ela mesmo. Mas ela, nada! Era como se ele ali não
estivesse, não existisse, não fizesse parte do seu mundo.
Ele não convivia bem com aquela sua reação. Mas a verdade é que ela
nunca deixou de aparecer no jardim. Sempre à mesma hora, bela, ligeira,
atrevida, acomodando-se sempre no banco em frente ao seu, cerca de cinco metros
mais além. Quando ela se distraiu, ele pegou na arma e... disparou. Em cheio.
Desta vez ela não fugiu. Ali ficou, morta, caída sobre o banco de jardim, onde
ele nunca se chegou a sentar apesar da vontade quase indomável de o fazer, só
para estar um pouco junto dela. Poisou a espingarda de pressão de ar que o
acompanhava sempre que passava as férias grandes, ali na terra dos seus avós, e
apressou-se a pegar nela. Ela que o trazia há muito preso ao desejo de um
arrozinho malandrinho de... pomba branca!
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”
Termina
no final deste mês o prazo de envio de originais para o nosso concurso de
contos, que arranca na próxima edição. Recordamos que o concurso está
aberto a todos, sem quaisquer condicionalismos de idade, sexo ou nacionalidade,
podendo cada concorrente apresentar mais do que um original (com pseudónimos
diferentes, claro). Os trabalhos, na modalidade de conto policial, em língua
portuguesa, deverão ter ação no concelho de Vila Nova de Gaia e terão
obrigatoriamente o mínimo de duas páginas de formato A4 e o máximo de quatro,
escritas a 1,5 espaços, na fonte Times New Roman e corpo de letra 12. Os
originais deverão ser enviados em formato digital para o endereço eletrónico
salvadorpereirasantos@hotmail.com. Os trabalhos serão publicados por ordem de
receção, a partir de 5 de junho de 2020. E a classificação dos contos será definida
através da média da pontuação atribuída pelos seus leitores, da seguinte forma:
no final da publicação de cada conto, os leitores terão 30
dias para enviar a sua pontuação, numa escala de 5 a 10 pontos, em função da
qualidade e originalidade, através do email acima referido.
Será vencedor do concurso o conto que alcançar uma maior pontuação média,
sendo também distinguidos os restantes trabalhos classificados nas dez
primeiras posições. Serão atribuídos os seguintes prémios: 1º a 4º Lugar –
Taças; 5º a 10º Lugar – Medalhas. Convém ressalvar que os “contistas” não podem
participar no processo de escolha dos melhores contos. Por último, refira-se
que os casos omissos serão resolvidos pelo orientador d’ O Desafio do Enigmas,
não havendo recurso das decisões tomadas. Posto isto, está à espera de quê,
caro leitor? Participe!
O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 5 de maio de 2020
TERTÚLIA POLICIÁRIA DA LIBERDADE SUSPENDE
CONVÍVIO
Maio é habitualmente o mês do tradicional convívio nacional da Tertúlia
Policiária da Liberdade, iniciativa com realização ininterrupta há 16 anos,
reunindo policiaristas de norte a sul do país. Foi neste evento que o ano
passado O Desafio dos Enigmas procedeu à entrega dos prémios do torneio
“Solução à Vista!” e do concurso “Mãos à Escrita!” conquistados pelos
“detetives” de Santarém e Lisboa. Este ano, porém, numa altura em que se mantêm
as medidas de contingência impostas pela pandemia do novo coronavírus Covid –
19, o evento não será realizado em maio. Estamos, por isso, a estudar outras
formas, e o calendário possível, de proceder à entrega dos prémios dos
concorrentes desses e dos outros distritos, decisão de que daremos nota em breve.
Sublinhe-se, no entanto, que a suspensão
do convívio da Tertúlia Policiária da Liberdade foi determinada por razões de
pesar e luto, face ao desaparecimento físico de um dos seus principais membros,
um dos mais destacados policiaristas nacionais, com um longo e riquíssimo
percurso como produtor e decifrador de enigmas e grande cultor e defensor da
literatura policial. Figura de referência do mundo policiário, por todos
estimado, ele foi o criador do impagável Detetive Tempicos e de icónicas
personagens de inúmeras e inesquecíveis aventuras, como “Nelinha” e sua
sobrinha “Katinha”.... Estamos a falar, claro, de António Raposo, mais
conhecido no mundo policiário por A. Raposo, que nos deixou aos 84 anos, no
passado mês de fevereiro.
A.
RAPOSO - UMA BIOGRAFIA BREVE
Nascido no Algarve, onde regressava regularmente para matar saudades dos
lugares da sua infância e visitar familiares e velhos amigos, António Raposo
veio ainda adolescente para Lisboa e rapidamente se tornou alfacinha por adoção,
sem nunca perder no entanto a sua forte costela algarvia. Começou por viver no
pitoresco e popular bairro do Alto do Pina, mas calcorreou a velha cidade de
lés-a-lés, sendo frequentador assíduo das tertúlias culturais dos cafés da
baixa lisboeta.
A génese das tertúlias policiárias estará certamente nas célebres
reuniões do já desaparecido Café Martinho, do Rossio de Lisboa, que juntava em
alegre e amena cavaqueira muitos dos conhecidos intelectuais que viriam a ser
os melhores policiaristas dessa época. Mas o “bichinho” do policiário começou a
germinar ainda antes, andava ele na Escola Veiga Beirão, ali para os lados do Carmo,
junto ao Chiado, em Lisboa, corriam os anos cinquenta do século passado. Havia
ao tempo uma publicação de banda desenhada chamada “Camarada”, editada pela
Mocidade Portuguesa, de linha editorial nacionalista, mas servida por uma grande
equipa de desenhadores e com uma excelente impressão gráfica, onde um dia
surgiu uma página dedicada ao policiário.
Essa página era orientada por Sete de Espadas, um homem verdadeiramente
invulgar que tinha uma qualidade muito pouco comum: fazia tudo com gosto e
muita paixão. Foi graças a ele que muitos destacados nomes da sociedade
portuguesa, como, por exemplo, Matos Maia (ilustre homem da rádio), Luís Filipe
Costa (radialista, jornalista e realizador de cinema) ou Firmino Miguel
(general do Exército e ministro da Defesa dos I e II governos provisórios e do
I governo constitucional do pós-25 de Abril), se iniciaram no policiário. E
entre estes estava A. Raposo.
Por essa altura surgiram as grandes coleções de livros policiais, como a
Vampiro e a Xis. Leu muitos deles, quase todos. E ficou fã de alguns dos
grandes escritores da época, que foram a sua grande inspiração para se
abalançar na escrita de contos, enigmas e poemas de índole policiária ou
satírica e erótica-satírica – da vasta obra produzida, destacamos, entre muitas
outras pérolas de fina literatura, os dois singulares “livrinhos” de bolso “O
Cabo de Esquadra Jeremias” e “O Retiro do Quebra-Bilhas”, que nos permitem
(...) “visitar uma Lisboa icástica, hoje quase desaparecida”.
Por volta de 1956, A. Raposo fundou com alguns dos seus amigos, sob a
batuta do “velho” Sete de Espadas, o lendário Clube de Literatura Policiária
(CLP), que teve como primeira sede um pequeno apartamento no lisboeta bairro
dos Anjos. Como o seu nome figurava no requerimento feito ao Governo Civil de
Lisboa para que a constituição do clube fosse autorizada, a famigerada PIDE foi
a sua casa para saber se “era bom rapaz e trabalhador”... ou se tinha ideias
subversivas.
Por essa altura confessava-se um completo analfabeto político! Se bem que
já nesse tempo dizia ser um “anarquista-agnóstico, graças a Deus”. O CLP lá
nasceu e ele esteve sempre na linha da frente pela dignificação da literatura
policial. Em 1974, porém, perdeu o contacto com o policiário e ganhou
aproximação à política. Foram bons os tempos que viveu durante o PREC, mas
foi-se desiludindo aos poucos com o “estado a que a política chegou”. E
regressou ao policiário!
Aí por volta de finais dos anos 80, um dos seus amigos das lides
policiárias, que se assina como O Gráfico, começou a enviar-lhe o Jornal de
Almada, onde aquele assinava uma página dedicada ao policiário. E ei-lo de
regresso ao que ele considerava uma “droga”, uma “droga boa e sem
contraindicações”, à qual acabaria por ficar irremediavelmente preso para
sempre. Uma “doença” que foi partilhando com a sua querida Esposa, Helena, grande
companheira na vida e no policiário, onde é muito estimada por todos, que
carinhosamente a tratam por Lena ou Leninha.
Nos inúmeros torneios em que A. Raposo participou ao longo dos tempos, acrescentando
muitas vezes ao seu pseudónimo o nome da sua Lena, esteve sempre nos lugares cimeiros,
mas só uma vez ganhou um porque se considerava um bocado preguiçoso e curto nas
respostas. O importante para ele era participar. Dizia que era assim como os grandes
atletas dos Jogos Olímpicos, mas dos antigos, daqueles que disputavam as provas
das várias disciplinas desportivas com o objetivo único de conquistar uma
simples coroa de louros. E a coroa de louros no policiário é a solidariedade, a
amizade e a fraternidade que A. Raposo personificava e germina entre nós.
A.
RAPOSO - UM MESTRE DO POLICIÁRIO EM REVISTA
Passar em revista alguns dos muitos problemas policiários produzidos por
A. Raposo, constituindo com eles um “Torneio de Iniciação” especialmente destinado
aos “detetives” principiantes na vertente de decifração, será uma das nossas próximas
iniciativas. No entanto, embora essa prova seja prioritariamente destinada a
iniciados, estreantes ou praticantes com menos de três anos de atividade na modalidade,
poderão também participar outros policiaristas com mais experiência. Estes
últimos integração um grupo especial, com uma tabela classificativa distinta da
dos demais, onde seremos mais exigentes na avaliação das propostas de solução
enviadas. Mas isso, claro, não é para já. Para já mesmo é o concurso de contos
“Um Caso Policial em Gaia”, que arranca no próximo dia 5 de junho e que animará
a nossa secção pelo menos até ao final do ano.