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terça-feira, junho 23, 2020
  CONCURSO "UM CASO POLICIAL EM GAIA"
o desafio dos enigmas
Publicamos na íntegra o conto nº. 1 do concurso “Um Caso Policial em Gaia”. Os leitores que desejem participar na escolha dos melhores contos do concurso, podem enviar a pontuação atribuída a “Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética, (5 a 10 pontos) até dia 20 de julho.

CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”       
Conto nº. 1    
“Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética
Amélia era uma miúda estruturalmente alegre e desempoeirada, muito gira e dada à brincadeira. Espalhava o seu charme pelas redes sociais, facebook, twitter, instagram, onde foi conquistando seguidores atrás de seguidores sem temer que aquela sua aventura pelo mundo virtual viesse a degenerar numa qualquer invasão indesejada da sua vida privada. Até que um dia começou a ser assediada por um grupo de tarados que se autointitulavam “os mais Giraços de Mafamude”. Primeiro, começaram com uns piropos pueris e aparentemente inocentes, para depois se insinuarem com uns convites de cariz sexual, primeiro brejeiros e mais tarde ordinários e pornográficos, em qualquer das três contas por ela geridas nas redes sociais. Mas de nada valeu a sua pronta e forte reação contra aquelas atitudes nem o subsequente bloqueio das indesejáveis criaturas.
Os contactos passaram a ser feitos através do telemóvel e do telefone de rede fixa, sem que se percebesse como aqueles tarados conseguiram ter acesso aos respetivos números. Amélia deixou de atender as chamadas de números desconhecidos ou anónimos e as mensagens escritas passaram a ser a ferramenta de assédio, com uma catadupa de insultos e ameaças. Face a este comportamento, ela denunciou-os à polícia. Mas ao contrário do que se esperava, o resultado foi desastroso. É verdade que os telefonemas, as mensagens e os comentários nas redes sociais terminaram, mas eles passaram a esperá-la, em grupo, à porta de casa e do emprego, limitando-se a sorrir e a soltar frases de cariz sexual, como “és boa com’ó milho, meu pintainho”, “comia-te toda, minha pombinha”, “lambia-te dos pés à cabeça, meu chupa-chupa de chocolate.”
Amélia deixou de trabalhar, enfiou-se em casa, não saía com ninguém e mal comia. As noites eram muitas vezes passadas em claro ou assombrada por pesadelos, quando conseguia pregar olho, acordando nessas alturas em sobressalto e encharcada em suor, tremendo que nem varas verdes. De manhã, mais ou menos à hora em que habitualmente saía para o emprego, quando olhava pela janela, encoberta pelas persianas de seu quarto, lá estava o grupo de Mafamude. Invariavelmente, eles ficavam estacionados na rua defronte da casa dela, encostados à parede de olhos fixos na sua janela. E só desmobilizavam quando a polícia chegava junto deles, a seu pedido. Mas mal os agentes voltavam costas, lá vinham de novo os rapazes, como se não tivessem mais nada que fazer na vida a não ser incomodar a rapariga, que não sabia como agir.
Após frequentes apelos da mãe, Amélia abandonou de vez as redes sociais, onde era massacrada com frequentes provocações de teor sexual por amigos dos giraços de Mafamude. E aos poucos voltou a sair de casa, sempre na companhia de uma prima, um pouco mais nova, para se distrair em locais fora da cidade ou cumprir as consultas técnicas especializadas a que fora aconselhada. Nos intervalos em que a polícia punha os rapazes com dono, saíam ambas de casa e corriam para o lado oposto ao sítio por onde eles haviam fugido, diretas à estação de metro do Jardim do Morro. Aí, encobertas pela cobertura-abrigo da estação, esperavam calmamente até chegar as carruagens que as levavam a São Bento ou a Santo Ovídio. De São Bento rumavam a Espinho ou a Aveiro; de Santo Ovídio o destino era sempre um prédio azul da rua Soares dos Reis.
No terceiro esquerdo daquele velho prédio da rua Soares dos Reis, dava consultas de psicologia um jovem muito bem-parecido, recentemente formado, com fama de ser muito competente. Num desses dias de consulta, a priminha da Amélia ficou na sala de espera, como sempre acontecia, enquanto ela entrava no consultório do Dr. Paulo Mamede. Cabelo loiro comprido, com melenas caindo sobre as sobrancelhas espessas que encimam os seus brilhantes olhos verdes, um sorriso permanente nos lábios carnudos bem desenhados e uma voz cava e melodiosa. O sol entrava pelas altas janelas do consultório, dando ainda mais brilho ao rosto moreno do psicólogo, que esperava sentado a sua paciente, com as mãos pousadas sobre o tampo da secretária pejada de livros. Amélia avançou até ele, que lhe apontou a cadeira em sua frente, onde se sentou.
As pernas de Amélia tremiam, as mãos suavam e o rosto ruborizava, o que sempre acontecia nestas consultas. Esta era a terceira vez que o psicólogo a ouvia e ela já não sentia que conversava com um técnico de saúde. A conversa desta feita foi sobre música, sobre os seus gostos musicais mais propriamente. E ficou a saber que ele tinha mais uma coisa em comum com ela. Gostava de jazz! Tal como ela, tinha um especial prazer em ouvir Miles Davis, Bille Holiday, Chet Baker e Ella Fitzgerald, nomes maiores deste género musical criado no início do século XX pela comunidade negra de Nova Orleans. Disse ele que era um gosto herdado de seu pai e que tinha uma preciosa discoteca de vinil composta por temas jazzísticos, acabando por convidá-la a ouvi-los em sua casa, numa tarde em que não tivesse consultas, nomeadamente a um sábado.
O coração de Amélia começou a bater tão forte e tão descompassadamente, que se sentiu desfalecer. E o pior foi ainda quando o psicólogo disse que nessa noite havia um concerto de Jazz no Convento Corpus Christi. Ele ainda não tinha a certeza que pudesse ir, mas prometeu que faria todos os possíveis por comparecer. A consulta, que mais pareceu uma conversa entre amigos, passou depois por outros temas também do agrado de ambos. Falaram de cinema, de artes plásticas e teatro, concluindo ambos que estiveram algumas vezes no mesmo dia e no mesmo lugar, a assistir ao mesmo filme, a visitar o mesmo museu, a ver a mesma peça. No final, imediatamente antes das despedidas, ele recordou o concerto de logo à noite. E concluiu, dizendo que o receio de se confrontar com os tais “Giraços de Mafamude” não podia condicionar a sua vida.
Quando a prima Susana perguntou como havia corrido a consulta, Amélia só conseguiu balbuciar “correu bem”. O seu peito rebentava de felicidade, mas ela não podia confessar esse sentimento. E muito menos dizer de quem era a responsabilidade por aquele seu estado de espirito. Era a terceira vez que consultava o psicólogo Paulo Mamede, sempre por causa dos “Giraços de Mafamude”, e pela primeira vez percebeu que não lhe era indiferente como mulher. No caminho de regresso a casa, a Susana perguntou-lhe por diversas o que se passava com ela, tal era o seu estado de espirito. E quando a prima perguntou se queria que ela lhe fizesse companhia até à hora de deitar, o que acontecia com frequência, sobretudo depois das consultas ao psicólogo, Amélia respondeu de supetão: “Não, deixa estar, não vale a pena. Hoje sinto-me muito bem”.
Amélia não se sentia apenas muito bem naquele momento. Na verdade, ela nunca se havia sentido alguma vez melhor desde que se conhecia como mulher. Aquele homem tinha tudo o que ela imaginara como seria o seu futuro companheiro de vida, nas noites febris de desejo da adolescência. Havia algo nele que descontrolava os seus  sentidos, que a deixava perdida em sonhos que a remetiam para fantasiosas experiências sexuais. E agora só pensava na hora de o voltar a ver, logo mais, no convento de Corpus Christi, embalada por aquela louca paixão ao som de algumas das suas músicas de eleição, ao ritmo de jazz.
Quando chegou ao Convento Corpus Christi, atravessou o largo portão que dá acesso ao pátio do monumento na esperança de encontrar a qualquer momento o homem por quem se apaixonara. A entrada era livre, mas não era permitido o acesso ao local do concerto após a hora marcada para o seu início e tinha como condição a permanência obrigatória no espaço até ao final do espetáculo. Amélia olhou em redor e não viu Paulo. Aguardou mais um pouco e quando chegou ao limiar da hora do espetáculo resolveu entrar. A sala já estava repleta de pessoas e só conseguiu lugar na última fila da plateia. Olhou as nucas que se perfilavam na sua frente e em nenhuma delas conseguiu vislumbrar indícios da cabeça do “seu” Paulo. Uma delas tinha um cabelo loiro com algumas semelhanças, mas as dúvidas dissiparam-se quando se posicionou de perfil.
A pessoa que estava ao lado do loiro que a confundiu, voltou-se para este e… Amélia entrou em estado de choque. Era um dos “Giraços de Mafamude”! E ao lado desse estava outro. E mais outro. A rapariga ergueu-se de um salto e correu para a porta de saída da sala, que abriu a custo. Um flash de luz encadeou-a. E à frente daquele clarão de luz intenso, conseguiu vislumbrar um grupo de jovens rapazes de armas apontadas para si, gritando. “Atenção! Preparar! Disparar!” Amélia soltou um grito aterrador, ao mesmo tempo que correu desenfreadamente em direção ao portão de saída do Convento. “Corta! Corta! Corta! Mas quem é que deixou passar esta maluca?!” – berrou, através de um potente megafone, um homem de chapéu de pala, que estava sentado numa cadeira de realizador que tinha impressa na lona do encosto... “Os Giraços de Mafamude” – o título do filme em rodagem.


 
segunda-feira, junho 15, 2020
  O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 20 de junho de 2020
CONCLUSÃO DO PRIMEIRO CONTO DO NOSSO CONCURSO
Concluímos hoje a publicação do conto inaugural do concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia”, que tem como protagonista uma adolescente criada por uma das nossas leitoras mais participativas nas iniciativas desta secção. A primeira parte do original de Madame Eclética terminou no momento em que a jovem Amélia entrou no consultório do psicólogo Paulo Mamede para uma terceira sessão de acompanhamento do caso de depressão em que vivia desde há algum tempo, em virtude da perseguição e assédio sexual que lhe era movida por um grupo de jovens autointitulados de “Os Giraços de Mafamude”. Lá fora, na sala de espera, a prima Susana ficaria a aguardar o final da consulta para acompanhá-la de volta a casa, onde ficaria até ela adormecer, como acontecia habitualmente nos últimos dias. Havia a preocupação de que o estado de saúde de Amélia piorasse e caísse em depressão profunda, pelo que não a podiam deixar ficar sozinha em momento algum. Mas será que ela não vai escapar à vigilância familiar e andar sozinha por aí?...

CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”       
Conto nº. 1    
“Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética
II – Parte (conclusão)
As pernas de Amélia tremiam, as mãos suavam e o rosto ruborizava, o que sempre acontecia nestas consultas. Esta era a terceira vez que o psicólogo a ouvia e ela já não sentia que conversava com um técnico de saúde. A conversa desta feita foi sobre música, sobre os seus gostos musicais mais propriamente. E ficou a saber que ele tinha mais uma coisa em comum com ela. Gostava de jazz! Tal como ela, tinha um especial prazer em ouvir Miles Davis, Bille Holiday, Chet Baker e Ella Fitzgerald, nomes maiores deste género musical criado no início do século XX pela comunidade negra de Nova Orleans. Disse ele que era um gosto herdado de seu pai e que tinha uma preciosa discoteca de vinil composta por temas jazzísticos, acabando por convidá-la a ouvi-los em sua casa, numa tarde em que não tivesse consultas, nomeadamente a um sábado.
O coração de Amélia começou a bater tão forte e tão descompassadamente, que se sentiu desfalecer. E o pior foi ainda quando o psicólogo disse que nessa noite havia um concerto de Jazz no Convento Corpus Christi. Ele ainda não tinha a certeza que pudesse ir, mas prometeu que faria todos os possíveis por comparecer. A consulta, que mais pareceu uma conversa entre amigos, passou depois por outros temas também do agrado de ambos. Falaram de cinema, de artes plásticas e teatro, concluindo ambos que estiveram algumas vezes no mesmo dia e no mesmo lugar, a assistir ao mesmo filme, a visitar o mesmo museu, a ver a mesma peça. No final, imediatamente antes das despedidas, ele recordou o concerto de logo à noite. E concluiu, dizendo que o receio de se confrontar com os tais “Giraços de Mafamude” não podia condicionar a sua vida.
Quando a prima Susana perguntou como havia corrido a consulta, Amélia só conseguiu balbuciar “correu bem”. O seu peito rebentava de felicidade, mas ela não podia confessar esse sentimento. E muito menos dizer de quem era a responsabilidade por aquele seu estado de espirito. Era a terceira vez que consultava o psicólogo Paulo Mamede, sempre por causa dos “Giraços de Mafamude”, e pela primeira vez percebeu que não lhe era indiferente como mulher. No caminho de regresso a casa, a Susana perguntou-lhe por diversas o que se passava com ela, tal era o seu estado de espirito. E quando a prima perguntou se queria que ela lhe fizesse companhia até à hora de deitar, o que acontecia com frequência, sobretudo depois das consultas ao psicólogo, Amélia respondeu de supetão: “Não, deixa estar, não vale a pena. Hoje sinto-me muito bem”.
Amélia não se sentia apenas muito bem naquele momento. Na verdade, ela nunca se havia sentido alguma vez melhor desde que se conhecia como mulher. Aquele homem tinha tudo o que ela imaginara como seria o seu futuro companheiro de vida, nas noites febris de desejo da adolescência. Havia algo nele que descontrolava os seus  sentidos, que a deixava perdida em sonhos que a remetiam para fantasiosas experiências sexuais. E agora só pensava na hora de o voltar a ver, logo mais, no convento de Corpus Christi, embalada por aquela louca paixão ao som de algumas das suas músicas de eleição, ao ritmo de jazz.
Quando chegou ao Convento Corpus Christi, atravessou o largo portão que dá acesso ao pátio do monumento na esperança de encontrar a qualquer momento o homem por quem se apaixonara. A entrada era livre, mas não era permitido o acesso ao local do concerto após a hora marcada para o seu início e tinha como condição a permanência obrigatória no espaço até ao final do espetáculo. Amélia olhou em redor e não viu Paulo. Aguardou mais um pouco e quando chegou ao limiar da hora do espetáculo resolveu entrar. A sala já estava repleta de pessoas e só conseguiu lugar na última fila da plateia. Olhou as nucas que se perfilavam na sua frente e em nenhuma delas conseguiu vislumbrar indícios da cabeça do “seu” Paulo. Uma delas tinha um cabelo loiro com algumas semelhanças, mas as dúvidas dissiparam-se quando se posicionou de perfil.
A pessoa que estava ao lado do loiro que a confundiu, voltou-se para este e… Amélia entrou em estado de choque. Era um dos “Giraços de Mafamude”! E ao lado desse estava outro. E mais outro. A rapariga ergueu-se de um salto e correu para a porta de saída da sala, que abriu a custo. Um flash de luz encadeou-a. E à frente daquele clarão de luz intenso, conseguiu vislumbrar um grupo de jovens rapazes de armas apontadas para si, gritando. “Atenção! Preparar! Disparar!” Amélia soltou um grito aterrador, ao mesmo tempo que correu desenfreadamente em direção ao portão de saída do Convento. “Corta! Corta! Corta! Mas quem é que deixou passar esta maluca?!” – berrou, através de um potente megafone, um homem de chapéu de pala, que estava sentado numa cadeira de realizador, que tinha impressa na lona do encosto... “Os Giraços de Mafamude” – o título do filme em rodagem.

CONVITE AO LEITOR
E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em função da sua qualidade e a originalidade, do primeiro conto do nosso concurso, da autoria de Madame Eclética, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5 a 10 pontos, para o email do orientador da secção (salvadorpereirasantos@hotmail.com).
A competição prossegue na próxima edição com a publicação do segundo conto, desta vez com assinatura de Inspetor Boavida, repetindo-se o processo de avaliação crítica dos nossos leitores durante o mesmo espaço temporal de 30 dias. A sua colaboração é fundamental, caro leitor!

 
terça-feira, junho 02, 2020
  O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 5 de junho de 2020
     ARRANCA O CONCURSO DE CONTOS “UM CASO POLICIAL EM GAIA”
Aqui está o primeiro conto do concurso “Um Caso Policial em Gaia”, que animará a nossa secção até final deste ano. Este primeiro original é publicado em duas partes, devido à sua extensão, sendo a sua conclusão inserida na próxima edição do jornal AUDIÊNCIA GP.  A sua autora é nossa seguidora desde a primeira hora, profissional de saúde na linha da frente de combate ao Covid-19, neste momento numa fase um pouco mais calma e menos preocupante. Madame Eclética, pseudónimo que deixa transparecer a multiplicidade de interesses que animam os seus dias e as inúmeras atividades em que se desdobra para além da sua profissão, traz-nos um conto que aborda nesta sua I parte, embora de forma ligeira, os perigos que se escondem nas redes sociais.
A II parte deste conto inaugural do nosso concurso alerta-nos para outros perigos, a que estão principalmente sujeitos os mais jovens, sobretudo os que vivem a fase da adolescência, uma época de muitas incertezas e dúvidas, mas também de crescimento, em que se sente fluir no corpo os primeiros impulsos sexuais. Nesta fase tudo é maximizado e vivido com muita intensidade, muito principalmente aquando do nascimento do primeiro amor, que surge normalmente de forma marcante. Nesta idade, as paixões avassaladoras são muito frequentes e... Bom, mas essa é uma questão a confirmar na próxima edição da nossa secção, quando ficarmos a conhecer o desfecho desta aventura que tem por principal protagonista a jovem Amélia, uma miúda que gosta de jazz...

CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”        
Conto nº. 1     
“Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética
I – Parte 
Amélia era uma miúda estruturalmente alegre e desempoeirada, muito gira e dada à brincadeira. Espalhava o seu charme pelas redes sociais, facebook, twitter, instagram, onde foi conquistando seguidores atrás de seguidores sem temer que aquela sua aventura pelo mundo virtual viesse a degenerar numa qualquer invasão indesejada da sua vida privada. Até que um dia começou a ser assediada por um grupo de tarados que se autointitulavam “os mais Giraços de Mafamude”. Primeiro, começaram com uns piropos pueris e aparentemente inocentes, para depois se insinuarem com uns convites de cariz sexual, primeiro brejeiros e mais tarde ordinários e pornográficos, em qualquer das três contas por ela geridas nas redes sociais. Mas de nada valeu a sua pronta e forte reação contra aquelas atitudes nem o subsequente bloqueio das indesejáveis criaturas.
Os contactos passaram a ser feitos através do telemóvel e do telefone de rede fixa, sem que se percebesse como aqueles tarados conseguiram ter acesso aos respetivos números. Amélia deixou de atender as chamadas de números desconhecidos ou anónimos e as mensagens escritas passaram a ser a ferramenta de assédio, com uma catadupa de insultos e ameaças. Face a este comportamento, ela denunciou-os à polícia. Mas ao contrário do que se esperava, o resultado foi desastroso. É verdade que os telefonemas, as mensagens e os comentários nas redes sociais terminaram, mas eles passaram a esperá-la, em grupo, à porta de casa e do emprego, limitando-se a sorrir e a soltar frases de cariz sexual, como “és boa com’ó milho, meu pintainho”, “comia-te toda, minha pombinha”, “lambia-te dos pés à cabeça, meu chupa-chupa de chocolate.” 
Amélia deixou de trabalhar, enfiou-se em casa, não saía com ninguém e mal comia. As noites eram muitas vezes passadas em claro ou assombrada por pesadelos, quando conseguia pregar olho, acordando nessas alturas em sobressalto e encharcada em suor, tremendo que nem varas verdes. De manhã, mais ou menos à hora em que habitualmente saía para o emprego, quando olhava pela janela, encoberta pelas persianas de seu quarto, lá estava o grupo de Mafamude. Invariavelmente, eles ficavam estacionados na rua defronte da casa dela, encostados à parede de olhos fixos na sua janela. E só desmobilizavam quando a polícia chegava junto deles, a seu pedido. Mas mal os agentes voltavam costas, lá vinham de novo os rapazes, como se não tivessem mais nada que fazer na vida a não ser incomodar a rapariga, que não sabia como agir. 
Após frequentes apelos da mãe, Amélia abandonou de vez as redes sociais, onde era massacrada com frequentes provocações de teor sexual por amigos dos giraços de Mafamude. E aos poucos voltou a sair de casa, sempre na companhia de uma prima, um pouco mais nova, para se distrair em locais fora da cidade ou cumprir as consultas técnicas especializadas a que fora aconselhada. Nos intervalos em que a polícia punha os rapazes com dono, saíam ambas de casa e corriam para o lado oposto ao sítio por onde eles haviam fugido, diretas à estação de metro do Jardim do Morro. Aí, encobertas pela cobertura-abrigo da estação, esperavam calmamente até chegar as carruagens que as levavam a São Bento ou a Santo Ovídio. De São Bento rumavam a Espinho ou a Aveiro; de Santo Ovídio o destino era sempre um prédio azul da rua Soares dos Reis. 
No terceiro esquerdo daquele velho prédio da rua Soares dos Reis, dava consultas de psicologia um jovem muito bem-parecido, recentemente formado, com fama de ser muito competente. Num desses dias de consulta, a priminha da Amélia ficou na sala de espera, como sempre acontecia, enquanto ela entrava no consultório do Dr. Paulo Mamede. Cabelo loiro comprido, com melenas caindo sobre as sobrancelhas espessas que encimam os seus brilhantes olhos verdes, um sorriso permanente nos lábios carnudos bem desenhados e uma voz cava e melodiosa. O sol entrava pelas altas janelas do consultório, dando ainda mais brilho ao rosto moreno do psicólogo, que esperava sentado a sua paciente, com as mãos pousadas sobre o tampo da secretária pejada de livros. Amélia avançou até ele, que lhe apontou a cadeira em sua frente, onde se sentou. 
(Continua na próxima edição)

CONVITE AO LEITOR
Com tem sido amplamente referido, a classificação dos contos do concurso “Um Caso Policial em Gaia” será definida através da média da pontuação atribuída pelos nossos leitores, numa escala de 5 a 10 pontos, em função da sua qualidade e originalidade. Os leitores terão o prazo de 30 dias, após a publicação de cada conto, para a sua apreciação e envio da respetiva pontuação para o email salvadorpereirasantos@hotmail.com. Reiteramos, por isso, o nosso convite à participação de todos os que nos leem na escolha do conto vencedor do concurso e dos demais originais a premiar. No caso concreto do primeiro conto, de que se publica hoje a primeira parte, os leitores deverão esperar pela publicação da respetiva conclusão, a partir da qual poderão fazer a sua apreciação critica, atribuindo-lhe a correspondente pontuação e enviando-a para o orientador da secção dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, até ao 30º dia após a sua publicação.
 
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