O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 20 de agosto de 2020
UM AMOR DO PASSADO AINDA NÃO ESQUECIDO
A tentativa de um crime de homicídio premeditado por vingança de um
acontecimento ocorrido no passado, tendo por base uma disputa amorosa, é o mote
de mais um conto do nosso concurso “Um Caso Policial em Gaia”. O seu autor é um
participante habitual nas iniciativas que temos levado a efeito nos últimos
anos, distinguido por diversas vezes pela sua performance tanto na decifração
como na produção de ficção policiária, tendo conquistado muito recentemente a
“Taça Zé”, correspondente ao 3º. lugar do Torneio “Solução à Vista!” –
2019-2020. O seu nome é um dos mais conhecidos do mundo policiário nacional com
residência no distrito de Santarém, região que tem sido alforge de um lote
considerável de grandes policiaristas, de que se destacam, entre outros, os
nomes de M. Constantino, Inspetor Aranha ou Detetive Jeremias. Vamos então ao
seu conto:
CONCURSO “UM
CASO POLICIAL EM GAIA”
Conto nº. 5
“Vingança Frustrada”, de Inspetor
Moscardo
O dia nasceu claro em Gaia. Silva compôs o casaco e saiu
para fazer a habitual caminhada até ao Parque da Lavandeira. Enquanto andava, refletia
nas ameaças recebidas no smart, remetidas de números confidenciais. Quem seria?
Pensava que a sua conduta primava por exemplar. Julgava também que todos o
respeitavam e que a sua postura e maneira de estar era aceitável. Contudo, os
agoirentos prenúncios aí estavam. Participara o caso à polícia e o perspicaz agente
Gazua estava a tratar do assunto com a sua equipa especializada. Tirou da
cabeça as ideias turvas e substitui-as por pensamentos escorreitos e positivos.
Regressou a casa, tomou um duche e foi até ao no bar oxigenar
as ideias com um cimbalino. Ligou à sua amiga Maria, que ficara de o visitar, e
segundo o combinado devia estar a sair de Lisboa. Assim que pegou no telemóvel,
viu que recebera uma mensagem. Dizia: “O carro avariou. Depois de o rebocarem,
vou apanhar o comboio. Espera-me na estação das Devesas”.
Não dizia a hora, talvez ainda não soubesse os horários.
Na rua em frente, no passeio do outro lado da via, passava um indivíduo de má
aparência. Era o funesto e mal-afamado Maçarico.
Silva em tempos apaixonara-se pela namorada dele e
conseguira arrebatá-la. Na altura, de cabeça quente, trocaram ameaças.
Os anos passados e o tempo em si mesmo, arrumaram o
assunto. Vivera com ela alguns tempos felizes.
A presença de uma figura detestável poderia reavivar feridas
já saradas.
Luísa, ex-colega de trabalho, entrou no café, bela, encantadora.
Contou-lhe que depois de terem prescindindo dos seus serviços, de uma maneira brusca
e inusitada, a sorte sorrira-lhe. Trabalhava a partir de casa, pela net, numa
firma de design comercial.
Contou-lhe do seu casamento com um engenheiro
informático. Do nascimento de um menino e uma menina, e das peripécias de umas
viagens que tinha feito. Despediu-se, com um tchau, e uma outra expressão chic,
que ele não entendeu. Começou a pensar, onde iria almoçar e telefonou a Maria, a
fim de saber a hora da sua chegada.
◄►
Maçarico, estava impaciente. Um traficante do
submundo, ficara de lhe arranjar uma arma e munições. Soubera que Silva residia
em Gaia há uns anos. Nos seus tempos de estudantes, ele tinha-lhe roubado a
namorada. Atirara-o para a tormenta da depressão. Para a ditadura do copo. A
vontade de se vingar aparecia-lhe no cérebro, como luz de néon num anúncio. Acabado
de chegar, estaria por ali o tempo necessário, a conseguir uma oportunidade para
uma espera, num sítio do itinerário.
◄►
Silva admirou-se da presença do ominoso Maçarico, mas
desconhecia as suas intenções nefastas. Soube da hora da chegada de Maria e deslocou-se
para o bar, onde a iria esperar. Chegou instantes depois, bonita e suavemente
perfumada. Beijaram-se com afeto.
Maria disse-lhe que o financiamento para criação do
próprio emprego tinha sido aprovado. Poderiam procurar o edifício ideal para
instalar a livraria e cibercafé.
Sentiu-se bem ao ouvir a notícia. A aspiração comum, que
surgiu quando as suas vidas se cruzaram sem pedir licença, e os emparceiraram sem
cerimónia.
◄►
No sítio combinado, Maçarico recebeu a arma.
Aproximava-se a hora. Escolhera o local para fazer a emboscada. Avistou Silva, que
caminhava concentrado. Carregou a arma, apontou. Tinha-o debaixo da mira.
─ É agora! Vais pagá-las! Fogo!
Uma, duas vezes. Ficou continuamente a dar ao gatilho.
─ Mas qu’é isto?
A bala não deflagrou, a arma tinha encravado.
─ Cum caraças! Cum camandro! Cum escafandro! -
Desabafou irado.
Logo a seguir, ouviu nas suas costas:
─ Silêncio! Mãos ao alto!
O agente Gazua, que colocara o percurso sob vigilância,
aparecera com a sua equipa.
Silva ao dar conta da agitação nas imediações,
aproximou-se com outros camaradas de caminhada.
Gazua cumprimentou-o. Tudo indicava que poderia dormir
descansado.
◄►
Momentos depois, junto do Mosteiro da Serra do Pilar,
Silva e Maria, abraçados, observam o por do sol, descendo colorido a
refletir-se na água, preparando com firmeza o esplendor do próximo amanhecer.
CONVITE AO LEITOR
E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos
o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é
simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em
função da sua qualidade e originalidade, do quinto conto do nosso concurso, da
autoria de Inspetor Moscardo, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5
a 10 pontos, para o e-mail do orientador da secção
(salvadorpereirasantos@hotmail.com).
A competição prossegue na próxima edição com a publicação do sexto conto,
desta vez com assinatura de Rigor Mortis, repetindo-se o processo de avaliação
crítica dos nossos leitores durante o mesmo espaço temporal de 30 dias. A sua
colaboração é imprescindível, caro leitor!
O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 5 de agosto de 2020
AS FESTAS DE SÃO PEDRO DA AFURADA SÃO PALCO DO
NOVO CONTO
O conto que hoje publicamos traz-nos
à memória as tradicionais Festas de São Pedro da Afurada, que este ano foram
canceladas por força do confinamento da pandemia da Covid-19. A sua autora, a
nossa confrade Ma(r)ta Hari, é uma adepta incondicional daquelas festividades e
talvez por isso tenha decidido escolhê-las como pano de fundo para mais uma das
suas incursões pela escrita policiária. Os protagonistas são dois jovens amigos
pouco ou nada dados ao trabalho, que sempre viveram os seus dias de expedientes
vários, tendo por principal preferência o recurso ao furto e roubo dos bens
alheios. Mas nem sempre as coisas lhes correm bem, como podem ver...
CONCURSO “UM
CASO POLICIAL EM GAIA”
Conto nº. 4
“Necas e Lecas”, de Ma(r)ta Hari
Necas e Lecas são dois dos mais temidos jovens sem eira nem beira que
todos os dias andam à cata de dinheiro fácil, saído por artes pouco dignas dos
bolsos dos turistas que pululam diariamente pelos lugares mais concorridos da
zona histórica da cidade de Gaia. Aos poucos, porém, foram sendo desmascarados
nas imediações das caves de vinho do Porto, onde habitualmente exerciam a sua
arte, optando agora por outros palcos, nem por isso menos procurados pelos
forasteiros. As entradas para os barcos rabelos que navegam por entre as seis
pontes do rio Douro têm sido alguns desses pontos de ação, que têm proporcionados
pecúlios razoáveis, sobretudo nos fins de semana e épocas festivas. Nos
restantes dias, quando não gozam as suas folgas, rumam a outras paragens que os
turistas são aconselhados a visitar.
Afurada tem sido um desses
pontos. Sobretudo nos finais de junho, em que as festas de São Pedro animam
aquele lugar piscatório de gente humilde e de bem. A partir das nove da noite,
quando os foliões acorrem ao recinto dos espetáculos, Necas e Lecas acomodam-se
por entre a multidão em busca de gente mais distraída e aparentemente abastada.
Mal descobrem uma potencial vítima, com o perfil adequado, ou seja, uma pessoa
não conhecida, com ar de forasteiro, estrangeiro ou não, possuidor de valores à
vista, lá estão eles de prontidão para o golpe. E raramente falham. Uma
carteira de homem, recheada de dinheiro e de cartões de crédito, salta quase
por artes mágicas do bolso traseiro das calças do seu proprietário para as mãos
de um deles, sem que ninguém se aperceba, pondo-se logo em fuga de mansinho.
E quando não é uma carteira que voa milagrosamente dos bolsos de um
incauto cavalheiro abonado para a posse de um dos jovens larápios, é um objeto
de valor subtraído da mala de uma bem posta senhora que muda de dono. Eles são
exímios a atuar e fazem-no muitas vezes aos olhos de cidadãos seus conhecidos,
mais despertos mas cobardes, que ficam calados por temor da reação agressiva
dos dois jovens. Não há, na verdade, quem os conheça que não os tema, salvo
muito raríssimas exceções. E as pessoas que constituem essas raras exceções
eles conhecem muito bem e não ousam confrontar. Tiveram, aliás, algumas
pequenas contrariedades tempos atrás, porque se atreveram a fazer frente a
algumas vozes mais grossas saídas de bocas de gente ágil, destemida e
musculada, que lhes serviu de emenda para sempre.
Necas e Lecas ainda hoje sentem as dores sofridas numa dessas contendas
com cidadãos mais arrojados, testemunhas involuntárias de roubos, que
levantaram a sua voz contra o crime e responderam a soco à forte reação dos
seus “infelizes” autores. Dessa vez, o resultado foram três dias sem saírem de
casa por mal se poderem mexer por via dos traumatismos e para não evidenciarem
as nódoas negras que seus olhos, nariz e lábios espelhavam. Agora põem todo o
cuidado na ação, não vá o diabo tecê-las e sofrerem os mesmos amargos de então.
Não só escolhem muito bem as suas vítimas, como saem logo de fininho se alguém
topa o esquema e levanta a sua voz contra o crime, mesmo que seja de mansinho.
Toda a precaução é pouca e, lá diz o ditado, gato escaldado de água fria tem
medo.
Mas apesar de todos os cuidados, chegou o dia em que o feitiço se virou
contra o feiticeiro. E tudo aconteceu nas festas de São Pedro da Afurada, no
recinto dos espetáculos. Os dois jovens ladrões toparam um sujeito bem posto,
com ar estrangeirado, que nunca tinham visto nem mais gordo nem mais magro, com
um valente chumaço na algibeira direita das suas calças de linho de cor cinza
claro. Necas colocou-se sorrateiramente do lado direito do indivíduo, não sem
antes olhar cuidadosamente em volta. Lecas, por sua vez, depois de analisar bem
a zona envolvente e de tirar a pinta à gente que se encontra próxima do alvo,
dispôs-se atrás do sujeito, levemente sobre a sua direita, e esperou que Necas
desse o passo seguinte. E assim que este seu cúmplice deu um encosto seco no
ombro da presa, Lecas deitou a sua hábil mão esquerda no bolso do sujeito.
Em vez da ansiada carteira ou maço de notas, a mão de Lecas trouxe um
perfumado lenço de cambraia que arrastou consigo uma placa metálica, que caiu
no chão. Ato contínuo, a mão de Lecas foi firmemente agarrada pela mão direita
do assaltado, enquanto a canhota lhe desferiu um sopapo que o deitou por terra,
agarrado ao queixo e com lamúrias de menino mimado. Necas, antes que fosse sujeito
ao mesmo tratamento, pegou nas perninhas e deu às de vila-Diogo, arrastando
pelo caminho algumas das pobres almas que assistiam ao concerto da noite. Ainda
houve um cidadão corpulento que lhe deitou a mão, mas o máximo que conseguiu
foi ficar com o seu pullover na mão.
Quanto
a Lecas, depois de imobilizado pela sua “projetada” vítima, foi levado até à
esquadra da PSP, na Afurada. Para já, ficaria a dormir aquela noite na
esquadra. Dali poderia ouvir o que restava do concerto que decorria com a
atuação de um artista em voga, podendo depois ouvir o som do fogo de artifício
que romperia os céus nessa noite de folia. Noite que foi de insónias e angústia
para ele, que só mais tarde ficou a saber que a pessoa que tencionou roubar
era, para mal dos seus pecados, um inspetor da PJ em gozo de férias de verão,
que não se satisfez em lhe dar apenas uns bons sopapos que lhe servissem de
lição, optando por levá-lo primeiro à prestação de contas com a justiça, para
só depois procurar o seu crachá de polícia caído no chão do recinto...
CONVITE AO LEITOR
E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos
o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é
simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em
função da sua qualidade e originalidade, do quarto conto do nosso concurso, da
autoria de Ma(r)ta Hari, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5 a 10
pontos, para o e-mail do orientador da secção
(salvadorpereirasantos@hotmail.com).