CONCLUSÃO DE MAIS UM CONTO E NOVA TABELA CLASSIFICATIVA
Juntamente com a publicação da
conclusão do conto “A Ilha do Frade”, de Bernie Leceiro, desvendamos a
classificação geral atualizada do concurso “Um Caso Policial em Gaia”,
resultante da pontuação atribuída pelos nossos “leitores-jurados” aos sexto,
sétimo, oitavo e nono contos.
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM
GAIA”
Conto nº. 11
“A Ilha do Frade”, de Bernie
Leceiro
II – Parte (conclusão)
Vitorino Magalhães seria nessa noite convidado do engenheiro Passos de
Ferreira para assistir ao majestoso fogo de artificio, numa festa privada, a
bordo da sua embarcação de recreio Calígula, e para a qual foram convidadas
duas vistosas mulatas das terras de Vera Cruz, para ajudar na concretização do
negócio. Há hora combinada lá embarcou no Calígula, no cais do ferry. Já o
barco tinha zarpado do cais quando se apercebeu que ao leme da embarcação
seguia o Chico Zarolho, o maior traficante de droga da região a quem Vitorino
tinha um divida de algumas centenas de euros. Vitorino enregelou de horror
perante a sua visão, mas era tarde para saltar borda fora e pedir socorro era
inglório perante a tamanha algazarra na margem. Chico Zarolho demonstrava a sua
pouca destreza com o leme, embatendo várias vezes no casco do Flor de Gás que
cheio de turistas se preparava para cruzar as águas do Douro pela última vez
antes do início do fogo, ignorando os gritos e insultos do cobrador de
bilhetes. A viagem foi curta subindo o rio, para um local mais afastado das
outras embarcações que se juntavam para uma visão privilegiada do espetáculo
pirotécnico.
No interior da embarcação as duas acompanhantes já se tinham apagado
ainda antes do início do fogo, o espumante aliado a outras substancias pouco
legais foram o suficiente para deixar as pobres raparigas knock-out. Vitorino
estava cada vez mais nervoso, o álcool não o acalmava, o embalar do barco
também não ajudava. Tinha sido enganado e raptado. Estava agora num barco no
meio do rio Douro, as margens cheias de foliões, sozinho com o maior traficante
de droga da região que tinha saído da prisão duas semanas antes e estava
disposto a tudo para cobrar dividas antigas. Pena nunca ter aprendido a nadar,
agora daria jeito. O que se previa uma noite de sonho e prazer transformava-se
num pesadelo, tendo embarcado com o seu carcereiro ao leme.
Tudo se tinha concretizado no dia anterior, o engenheiro Passos de
Ferreira enviara um seu assessor comprar alguma erva para animar a festa
privada que preparara para a noite de S. Pedro e na qual pretendia fazer o
grande negócio. Ouvindo falar de negócios, a troco de umas doses extra,
conseguir soltar a língua do assessor que lhe comunicou em pormenor o plano do
seu patrão. Foi fácil para Chico Zarolho convencer a sua enteada Nelinha, filha
da sua companheira Gina, que trabalhava na tasquinha da Ti Albina, a colocar
laxante na salada de pimento do engenheiro Passos de Ferreira onde fora comer
umas sardinhas, roubar-lhe a carteira com o cartão de acesso à marina e a chave
da embarcação. À hora de saída enquanto o engenheiro desesperava no exíguo
sanitário do restaurante, Chico Zarolho largou da marina da Afurada, a bordo do
Caligula, embarcação de Passos de Ferreira, acompanhado de duas belas
brasileiras com pele cor de canela rumo ao cais do ferry o ponto de encontro.
Ninguém se apercebeu no meio da multidão das duas margens que das mil e
noventa duas rebentações pirotécnicas prometidas pelo edil da Afurada, houve um
estrondo extra que vitimou Vitorino Magalhães. Paz à sua alma, foi despido e
atirado às águas do Douro iluminadas pelas últimas girandolas do foguetório.
Na manhã seguinte, Claudino Marrazes acordou cedo e radiante, pelo enorme
triunfo da noite anterior, a qual tinha a certeza iria ser lembrada, tal como o
golo de Kelvin por muitos e bons anos. Estava no café Central a tomar o seu
tradicional pequeno almoço de cimbalino com uma torrada de bijou, quando o seu
sorriso de desvaneceu, Silva o seu secretário na junta de freguesia entrou
esbaforido no café e segredou ao seu ouvido:
- Senhor presidente, lamento ter de lhe dizer isto, mas está um corpo a boiar no rio.
CONVITE AO LEITOR
E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em função da sua qualidade e originalidade, do décimo-primeiro conto do nosso concurso, da autoria de Bernie Leceiro, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5 a 10 pontos, para o email do orientador da secção (salvadorpereirasantos@hotmail.com).
RUI MENDES ASSUME LIDERANÇA
A classificação do concurso “Um Caso Policial em Gaia” conhece um novo líder, quando está fechado o processo de avaliação dos nove primeiros contos. Com a atribuição de uma média de 8,63 pontos, Rui Mendes destronou da liderança Inspetor Boavida, que ocupa agora a segunda posição. No pódio mantém-se também Ma(r)ta Hari, que viu mais uma vez esse lugar ameaçado.
Classificação dos primeiros 9 contos
1º. “O Inspetor Garrett e o Caso de Lavadores”, de Rui Mendes:
8,63 pontos;
2º. “O Manto Negro da Vida ou As Cinco Cores da Sorte”, de Insp.
Boavida: 8,62 pontos;
3º. “Necas e Lecas”, de Ma(r)ta Hari: 8,44 pontos;
4º. ” O Meu Velho Tio Ambrósio”, de Inspetor Mokada: 8,43 pontos;
5º. “Reconciliação Fatal”, de Rigor Mortis: 8,41 pontos;
6º. “O Caso do Cangalheiro da Treta”, de Comissário Lanterna: 8,35
pontos;
7º. “Uma História Inverosímil”, de Detetive Mel: 8,33 pontos;
8º. “Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética: 8,32 pontos;
9º. “Vingança Frustrada”, de Inspetor Moscardo: 8,23 pontos.
o desafio dos enigmas
Publicamos na
íntegra o conto nº. 10 do concurso “Um Caso Policial em Gaia”. Os leitores que
desejem participar na escolha dos melhores contos, podem enviar a pontuação (5
a 10 pontos) atribuída a “Apenas Um Sonho”, de Detetive Agrafa Dor, até dia 20
de janeiro de 2021.
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM
GAIA”
Conto nº. 10
“Apenas Um Sonho”, de Detetive
Agrafa Dor
Foi andando até ao centro histórico de Gaia, onde residia. Meteu a
chave à porta e entrou para a sala de estar. Olhou com aborrecimento a
desarrumação generalizada, ali, e
nas outras divisões. A
empregada com o
receio justificado de
ele deixar de
pagar os ordenados despedira-se,
quando num pico da crise, uns anos atrás, ele fora engrossar as fileiras da
multidão desempregada.
Ouvira dizer a alguns
camaradas que na conjetura
atual a agricultura é
que estava a dar, atraindo para a atividade produtiva uma
faixa considerável da força
de trabalho. A mecanização do
trabalho rural, já
lhe retira parte
da dureza que
lhe era intrínseca.
As lides agrícolas e a sua característica sazonal começaram a
proporcionar-lhe o recebimento de alguns cobres, providenciais para assegurar a
sobrevivência.
Fez entretanto formação profissional em novas atividades, ficando
apto para várias funções, tendo
possibilidades de trabalhar num leque de
vastas áreas económicas.
Explorara a adversa informática, tudo o que
antes era difuso e
enevoado, recortava-se agora com nitidez. Passara o “cabo” da ótica do
utilizador. Outras tarefas de que apenas conhecia alguma coisa, foram
devidamente estudadas.
Trabalhos temporários, no
setor industrial, foram surgindo,
ali e acolá
ao sabor da lei da oferta e da
procura, excelentes para adestramento e experiência, da arte laboral.
De anúncio em
anúncio, de entrevista
em entrevista e
corajosas candidaturas
espontâneas, no topo da
procura de emprego,
não houve um
momento de desânimo, nenhuma retirada estratégica,
porfiou-se um exemplar estoicismo.
Finalmente, aparecera uma fábrica a precisar de pessoal.
Recebera o primeiro ordenado.
A realidade iria captar, lentamente, novas facetas favoráveis à
concretização do sonho: viver em paz.
Dedicara-se ao trabalho,
dia após dia,
e a sua
prestação era rentável,
a coordenação de tarefas
entre grupos, eficaz
e com uma
dinâmica própria que
se auto renovava de
acordo com as
vicissitudes do processo
de produção, criava a mais-valia diária digna
de apreço e consideração. Estava
a pensar deste
modo, quando resolveu abrir ao acaso o livro de bolso de
temática policiária, que trazia quase sempre consigo e foi lendo:
“Os estampidos soaram do lado direito, porém o Mago da Finança, de
visita ao país, fora atingido pelo flanco esquerdo. Seriam dois atiradores, um
com arma normal a fazer barulho, manobra de distração, e outro de arma com
silenciador, a matar? O hotel foi rapidamente cercado pela polícia, as entradas
e saídas encerradas, de maneira que ninguém saísse ou entrasse. Foi seguida a
trajetória das balas e a origem dos
estrondos. Os hóspedes
foram conduzidos para
uma sala de
reuniões. O comissário, estava
de folga, mas resolvera entrar de serviço,
e tomar as medidas necessárias, para identificar
o autor do
crime e o seu
cúmplice. Certificara-se que os hóspedes estavam todos
presentes. Foram de
imediato revistados. Duas
senhoras sentiram-se mal e precisaram de cuidados. Os socorristas
trataram-nas bem.
O motivo seria
alguma obscura tramoia
de espionagem? Gerou-se
a confusão entre os presentes
apanhados de surpresa e a verem o fim de semana estragado.”
Uma buzinadela de
automóvel fê-lo levantar
a cabeça, fechar
o livro e
sair da frente do veículo. Não se
justificava que tendo ele tempo para ler em casa, na biblioteca ou no café, o
fizesse enquanto andava na rua, arriscando-se a ser atropelado.
Lembrou-se da renda, água e luz para pagar. Saciada a sede numa
pausa rápida no bar, foi ao banco levantar dinheiro. Pela quantidade de
clientes, e o anseio estampado nos rostos, via-se
prontamente que era fim do mês.
Andava algo, um zum-zum pouco percetível e admoestador no ar.
Ainda estava a contar o dinheiro,
quando um grupo
de assaltantes entrou de armas
na mão. Caramba! (Há dias em que
não se pode sair de casa).
O ambiente ficou dramático e tenso. Uma pequena distração é a morte
do artista. Neste ínterim, um dos clientes recebe uma chamada, e o toque
estridente de sirene, que escolhera
para o telemóvel, imprevisto,
desconcentrou e baralhou os bandoleiros. Entreolharam-se espantados e
fugiram em debandada.
É neste momento
que sente uma
sacudidela no ombro.
E ouve um dos
porteiros dizer-lhe:
─ Acorde. O filme já acabou. O cinema vai fechar.
UM CORPO DESNUDADO DE HOMEM DEU
À COSTA NA AFURADA
Enquanto aguardamos o final do prazo para a receção da pontuação atribuída ao conto nono do concurso “Um Caso Policial em Gaia”, que nos permitirá publicar na próxima edição da nossa secção a sua classificação atualizada, submetemos hoje à avaliação dos nossos leitores a primeira parte de um original do confrade Bernie Leceiro. Trata-se da ficção do caso de um achado macabro que traz à memória dos pescadores da foz do Douro uma antiga lenda associada à “Ilha do Frade”, a partir do qual o autor faz-nos mergulhar no século XVI e nos primórdios do Convento franciscano de Santo António da Piedade que existia em Gaia, bem em frente a Lordelo do Ouro no Porto. A ação passa-se em junho de 2013, ano em que o treinador Jorge Jesus, então na sua primeira passagem pelo Sport Lisboa e Benfica, se ajoelhou ao minuto 92 em pleno estádio do Dragão, quando o brasileiro Kelvin fez abanar as redes da baliza à guarda do seu conterrâneo Artur. Em São Pedro da Afurada ainda se festejava mais um título de campeão e “o presidente da Junta de freguesia tinha prometido mil e noventa e duas rebentações sobre as águas do Douro num espetáculo pirotécnico que em nada ficaria a dever ao recente e monumental fogo de artificio das festas de S. João, tudo acompanhado por milhares de watts de luz e som, que marcariam para sempre o último mandato de Claudino Marrazes à frente da autarquia da Afurada” e... mais um título de campeão nacional do seu FCP. Mas eis que um corpo denudado de homem deu à costa.
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM
GAIA”
Conto nº. 11
“A Ilha do Frade”, de Bernie
Leceiro
I - Parte
O dia começava a raiar e a névoa erguia-se das águas do Douro. A ilha
ficou bem visível e à vista dos primeiros transeuntes que saiam de casa naquela
manhã de junho junto à Ribeira da Granja. Um corpo desnudado de homem repousava
imóvel nas areias brancas da pequena ilha, habitat selvagem de aves bem em
frente à ribeirinha vila da Afurada que horas antes assistira a mais um
glorioso fogo de artificio em honra do seu padroeiro S. Pedro.
Rapidamente, na margem do Douro, se juntou uma pequena multidão de
curiosos que assistiram à chegada das autoridades. Entre os mais velhos, alguns
lobos do mar de Lordelo, recordava-se entre risos, pese o macabro achado, uma
antiga lenda associada à “Ilha do Frade”.
Em tempos idos do século XVI, existia em Gaia um convento franciscano, o
de Santo António do Vale da Piedade, bem em frente a Lordelo do Ouro no Porto.
Apesar dos frades serem praticamente auto suficientes fruto do árduo trabalho
diário nas hortas, faltava-lhes o leite, que lhes era oferecido por um próspero
agricultor de Lordelo. Assim todos os dias de manhã enviava-lhes leite acabado
de ordenhar através de uma jovem e bela moça, que num bote agilmente cruzava as
águas do Douro. Rapidamente o freire que diariamente se ofereceu para receber o
leite se enamorou da bela e roliça leiteira e perante a insistência do clérigo,
combinaram encontro amoroso para uma das próximas manhãs de preferência ao
abrigo de cerrado nevoeiro que encobriria a travessia de ambos no pequeno caíco
até à outra margem do rio e procurassem um refugio secreto no lado de Lordelo.
Certa madrugada um malicioso piscar de olhos da rapariga foi o suficiente para
saber que havia chegado o dia. A coberto de densa neblina desceram encosta
abaixo e entraram no bote. A bela leiteira manobrou com agilidade a embarcação
por entre o denso nevoeiro até terra firme. Saltaram para terra e de imediato o
frade se livrou do hábito que lhe cobria o corpo. Quando se preparava para
abraçar a jovem rapariga, esta ouviu um ruido e sugeriu que alguém se
aproximava, sorrateira entrou no nevoeiro para melhor perceber a origem do
ruido que ouvira e sem que o inocente frade se apercebesse, levou consigo a
roupa dele.
Afinal não tinham atracado em terra firme. O bote fora conduzido
meticulosamente para a pequena ilhota, o mesmo bote no qual escapou deixando
sozinho e nu, o atrevido frade. Na manhã seguinte quando o sol raiou fácil será
imaginar a galhofa com que o frade foi brindado pela população local,
entretanto convocada pela jovem rapariga, que resolveu dar uma lição ao
atrevido frade que iria popularmente batizar aquele banco de areia bem perto da
foz do rio Douro onde agora misteriosamente aparecia novo corpo nu.
O senhor presidente da junta de freguesia tinha prometido mil e noventa e
duas rebentações sobre as águas do Douro num espetáculo pirotécnico que em nada
ficaria a dever ao recente e monumental fogo de artificio das festas de S.
João, tudo acompanhado por milhares de watts de luz e som, que marcariam para
sempre o último mandato de Claudino Marrazes à frente da autarquia da Afurada.
Desde o dia 11 de maio passado, o número 92 passou a ser mágico para as gentes
da Afurada, afinal marcaria para sempre o minuto em que um jogador brasileiro
de nome Kelvin ajoelhou Jesus em pleno estádio do Dragão e deu mais um título
ao FC Porto. Naquela magnifica noite ninguém se deu ao trabalho de confirmar a
quantidade exata de rebentações de foguetes pelo que a todos escapou o estrondo
extra que excedeu o prometido.
Horas antes o engenheiro Passos de Ferreira, empreendedor da zona da
Mafamude, que ultimamente se tinha dedicado ao negócio do alojamento local e à
compra indiscriminada de casas em toda a orla costeira desde S. Félix da
Marinha a S. Pedro da Afurada, convertendo
antigas habitações de pescadores em modernos Airbnb para os turistas que
desembarcam diariamente no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Tentava agora a
compra de mais uma interessante habitação na primeira linha do rio com uma
fabulosa vista para a zona de Miragaia no Porto, cujo dono era Vitorino
Magalhães. Vitorino um solteiro quarentão, filho e neto de pescadores, mas com
uma anormal aversão ao mar, dedicava-se à nobre tarefa do biscate, do nada
fazer e de outras atividades menos legais. Valia-lhe a solidariedade da
comunidade piscatória que por respeito ao seu pai e avô, lhe forneciam
diariamente o peixe necessário para o seu sustento, A casa que herdara do pai,
falecido nas lides da pesca, era o único bem de que dispunha, acumulando várias
dividas, fruto dos seus manhosos negócios.
(continua na próxima edição)