o desafio dos enigmas
Publicamos na
íntegra o conto nº. 11 do concurso “Um Caso Policial em Gaia”. Os leitores que
desejem participar na escolha dos melhores contos, podem enviar a pontuação (5
a 10 pontos) atribuída a “A Ilha do Frade”, de Bernie Leceiro, até dia 22 de fevereiro
de 2021.
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM
GAIA”
Conto nº. 11
“A Ilha do Frade”, de Bernie Leceiro
O dia começava a raiar e a névoa erguia-se das águas do Douro. A ilha
ficou bem visível e à vista dos primeiros transeuntes que saiam de casa naquela
manhã de junho junto à Ribeira da Granja. Um corpo desnudado de homem repousava
imóvel nas areias brancas da pequena ilha, habitat selvagem de aves bem em
frente à ribeirinha vila da Afurada que horas antes assistira a mais um
glorioso fogo de artificio em honra do seu padroeiro S. Pedro.
Rapidamente, na margem do Douro, se juntou uma pequena multidão de
curiosos que assistiram à chegada das autoridades. Entre os mais velhos, alguns
lobos do mar de Lordelo, recordava-se entre risos, pese o macabro achado, uma
antiga lenda associada à “Ilha do Frade”.
Em tempos idos do século XVI, existia em Gaia um convento franciscano, o
de Santo António do Vale da Piedade, bem em frente a Lordelo do Ouro no Porto.
Apesar dos frades serem praticamente auto-suficientes fruto do árduo trabalho
diário nas hortas, faltava-lhes o leite, que lhes era oferecido por um próspero
agricultor de Lordelo. Assim todos os dias de manhã enviava-lhes leite acabado
de ordenhar através de uma jovem e bela moça, que num bote agilmente cruzava as
águas do Douro. Rapidamente o freire que diariamente se ofereceu para receber o
leite se enamorou da bela e roliça leiteira e perante a insistência do clérigo,
combinaram encontro amoroso para uma das próximas manhãs de preferência ao
abrigo de cerrado nevoeiro que encobriria a travessia de ambos no pequeno caíco
até à outra margem do rio e procurassem um refugio secreto no lado de Lordelo.
Certa madrugada um malicioso piscar de olhos da rapariga foi o suficiente para
saber que havia chegado o dia. A coberto de densa neblina desceram encosta
abaixo e entraram no bote. A bela leiteira manobrou com agilidade a embarcação
por entre o denso nevoeiro até terra firme. Saltaram para terra e de imediato o
frade se livrou do hábito que lhe cobria o corpo. Quando se preparava para
abraçar a jovem rapariga, esta ouviu um ruido e sugeriu que alguém se
aproximava, sorrateira entrou no nevoeiro para melhor perceber a origem do
ruido que ouvira e sem que o inocente frade se apercebesse, levou consigo a
roupa dele.
Afinal não tinham atracado em terra firme. O bote fora conduzido
meticulosamente para a pequena ilhota, o mesmo bote no qual escapou deixando
sozinho e nu, o atrevido frade. Na manhã seguinte quando o sol raiou fácil será
imaginar a galhofa com que o frade foi brindado pela população local,
entretanto convocada pela jovem rapariga, que resolveu dar uma lição ao
atrevido frade que iria popularmente batizar aquele banco de areia bem perto da
foz do rio Douro onde agora misteriosamente aparecia novo corpo nu.
O senhor presidente da junta de freguesia tinha prometido mil e noventa e
duas rebentações sobre as águas do Douro num espetáculo pirotécnico que em nada
ficaria a dever ao recente e monumental fogo de artificio das festas de S.
João, tudo acompanhado por milhares de watts de luz e som, que marcariam para
sempre o último mandato de Claudino Marrazes à frente da autarquia da Afurada.
Desde o dia 11 de maio passado, o número 92 passou a ser mágico para as gentes
da Afurada, afinal marcaria para sempre o minuto em que um jogador brasileiro de
nome Kelvin ajoelhou Jesus em pleno estádio do Dragão e deu mais um título ao
FC Porto. Naquela magnifica noite ninguém se deu ao trabalho de confirmar a
quantidade exata de rebentações de foguetes pelo que a todos escapou o estrondo
extra que excedeu o prometido.
Horas antes o engenheiro Passos de Ferreira, empreendedor da zona da
Mafamude, que ultimamente se tinha dedicado ao negócio do alojamento local e à
compra indiscriminada de casas em toda a orla costeira desde S. Félix da
Marinha a S. Pedro da Afurada, convertendo
antigas habitações de pescadores em modernos Airbnb para os turistas que
desembarcam diariamente no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Tentava agora a
compra de mais uma interessante habitação na primeira linha do rio com uma
fabulosa vista para a zona de Miragaia no Porto, cujo dono era Vitorino
Magalhães. Vitorino um solteiro quarentão, filho e neto de pescadores, mas com
uma anormal aversão ao mar, dedicava-se à nobre tarefa do biscate, do nada
fazer e de outras atividades menos legais. Valia-lhe a solidariedade da
comunidade piscatória que por respeito ao seu pai e avô, lhe forneciam
diariamente o peixe necessário para o seu sustento, A casa que herdara do pai,
falecido nas lides da pesca, era o único bem de que dispunha, acumulando várias
dividas, fruto dos seus manhosos negócios.
Vitorino Magalhães seria nessa noite convidado do engenheiro Passos de Ferreira
para assistir ao majestoso fogo de artificio, numa festa privada, a bordo da
sua embarcação de recreio Calígula, e para a qual foram convidadas duas
vistosas mulatas das terras de Vera Cruz, para ajudar na concretização do
negócio. Há hora combinada lá embarcou no Calígula, no cais do ferry. Já o
barco tinha zarpado do cais quando se apercebeu que ao leme da embarcação
seguia o Chico Zarolho, o maior traficante de droga da região a quem Vitorino
tinha um divida de algumas centenas de euros. Vitorino enregelou de horror
perante a sua visão, mas era tarde para saltar borda fora e pedir socorro era
inglório perante a tamanha algazarra na margem. Chico Zarolho demonstrava a sua
pouca destreza com o leme, embatendo várias vezes no casco do Flor de Gás que
cheio de turistas se preparava para cruzar as águas do Douro pela última vez
antes do início do fogo, ignorando os gritos e insultos do cobrador de
bilhetes. A viagem foi curta subindo o rio, para um local mais afastado das
outras embarcações que se juntavam para uma visão privilegiada do espetáculo
pirotécnico.
No interior da embarcação as duas acompanhantes já se tinham apagado
ainda antes do início do fogo, o espumante aliado a outras substancias pouco
legais foram o suficiente para deixar as pobres raparigas knock-out. Vitorino
estava cada vez mais nervoso, o álcool não o acalmava, o embalar do barco
também não ajudava. Tinha sido enganado e raptado. Estava agora num barco no
meio do rio Douro, as margens cheias de foliões, sozinho com o maior traficante
de droga da região que tinha saído da prisão duas semanas antes e estava
disposto a tudo para cobrar dividas antigas. Pena nunca ter aprendido a nadar,
agora daria jeito. O que se previa uma noite de sonho e prazer transformava-se
num pesadelo, tendo embarcado com o seu carcereiro ao leme.
Tudo se tinha concretizado no dia anterior, o engenheiro Passos de
Ferreira enviara um seu assessor comprar alguma erva para animar a festa
privada que preparara para a noite de S. Pedro e na qual pretendia fazer o grande
negócio. Ouvindo falar de negócios, a troco de umas doses extra, conseguir
soltar a língua do assessor que lhe comunicou em pormenor o plano do seu
patrão. Foi fácil para Chico Zarolho convencer a sua enteada Nelinha, filha da
sua companheira Gina, que trabalhava na tasquinha da Ti Albina, a colocar
laxante na salada de pimento do engenheiro Passos de Ferreira onde fora comer
umas sardinhas, roubar-lhe a carteira com o cartão de acesso à marina e a chave
da embarcação. À hora de saída enquanto o engenheiro desesperava no exíguo
sanitário do restaurante, Chico Zarolho largou da marina da Afurada, a bordo do
Caligula, embarcação de Passos de Ferreira, acompanhado de duas belas
brasileiras com pele cor de canela rumo ao cais do ferry o ponto de encontro.
Ninguém se apercebeu no meio da multidão das duas margens que das mil e
noventa duas rebentações pirotécnicas prometidas pelo edil da Afurada, houve um
estrondo extra que vitimou Vitorino Magalhães. Paz à sua alma, foi despido e
atirado às águas do Douro iluminadas pelas últimas girandolas do foguetório.
Na manhã seguinte, Claudino Marrazes acordou cedo e radiante, pelo enorme
triunfo da noite anterior, a qual tinha a certeza iria ser lembrada, tal como o
golo de Kelvin por muitos e bons anos. Estava no café Central a tomar o seu
tradicional pequeno almoço de cimbalino com uma torrada de bijou, quando o seu
sorriso de desvaneceu, Silva o seu secretário na junta de freguesia entrou
esbaforido no café e segredou ao seu ouvido:
- Senhor presidente, lamento ter de lhe dizer isto, mas está um corpo a
boiar no rio.
UMA VIAGEM A GAIA COM DESFECHO
PREMEDITADO
Com a fasquia da liderança do concurso “Um Caso Policial em Gaia” muito elevada, todas as atenções recaem agora na avaliação dos nossos leitores-jurados aos últimos quatro contos dos treze em prova. Dois deles (o décimo e o décimo-primeiro) foram já publicados e enfrentam neste momento o processo de classificação do grande júri, ficando a faltar a publicação dos dois derradeiros originais. Entretanto, o penúltimo conto, da autoria do confrade setubalense Abrótea, vem hoje a público, com a publicação da sua primeira parte. O seu protagonista projetou mais uma viagem em família, desta vez ao norte do país. Mas não se pense que o objetivo era apenas o usufruto do melhor que Gaia tem para quem a visita. Tudo terá começado no local de embarque do teleférico no Jardim do Morro, que os levaria até ao coração da cidade velha, a fim de conhecer as raízes da fundação da cidade. Decerto que depois de uma visita à Igreja de Santa Marinha, construída no século XV e restaurada em 1745, pelo arquiteto Nicolau Nasoni, terão passado pelo Convento Corpus Christi, de 1345, que acolhe a arca tumular de Álvaro Anes de Cernache, primeiro Senhor de Gaia. E daí terão usado o passadiço que nasce junto ao cais, que nos permite alcançar todas as praias de mar. Mas, como verão, nem só de coisas boas se fez esta viagem:
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM
GAIA”
Conto nº. 12
“Aconteceu em Gaia...”, de Abrótea
I – Parte
Tinha tudo bem preparado, pelo menos assim eu
pensava, apenas faltava fazer a última viagem, depois... bem, depois livre como
um passarinho. Mas comecemos pelo princípio e não pelo final. Tinha “montes” de
clientes, e isso deu azo a acontecimentos que deixaram marcas, e um dia
aconteceu o que tinha de acontecer.
A partir de certas situações, passava e
passeava a última semana do mês pelo norte, mais propriamente em Vila Nova de
Gaia. O hotel espantoso, o quarto, esse, “maravilhástico”, vista para o Douro,
e aquela beleza dos rabelos, a subir e descer o rio entre as margens, as
encostas vinhateiras, que na altura da vindima se enchiam de gente
trabalhadeira. O pôr-do-sol, esse era sempre espetacular, ainda avistávamos as
pontes, sempre com aquele trânsito, para cá e para lá. Bem perto de onde me
alojava tínhamos as caves, a Mara, minha esposa, e o Baixinho o filhote nunca
as tinham visitado. Ainda pensava em duas ou três coisas, uma delas que
tropeçasse no cadeirão do varandim, mas isso sempre tinha gente na piscina, ou
até também a observar o rio majestoso, outra ideia fora a do convento Corpus
Christi...
Mas de repente surgiu a outra, e foi essa que
levei avante. Durante dois anos foi assim, de domingo a sexta-feira eram os
passeios, as festarias, conhecer as praias, bailaricos de bairro e tantas
outras coisas. Sabia que a Mara andava chateada, e com razão, nunca estava em
casa nem mesmo pelo Natal, Páscoa ou aniversários, isto porque eu falava “tenho
muito serviço”, “o chefe não me deixa entrar de férias”, “são clientes
especiais”, e afinal uma das clientes era bastante especial ou espacial. Levei dois
anos, cento e quatro semanas, dessas semanas tirava um dia para investigar, ver
e rever todos os locais prováveis e possíveis para colocar em prática o meu
plano, tinha que ser tudo planeado até ao mais ínfimo pormenor, até que
finalmente...
- Amor meu, prepara as maletas, vamos passear –
falei eu. Vamos tirar umas férias, poucos dias, mas vamos até ao Norte. Serão
duas a três semanas no máximo, mas é o que posso e tenho.
Para onde vamos meu bem? – perguntou Mara.
Vamos para perto do Porto, acho que nunca
provaste aquele vinho doce – disse com entusiamo. Vamos ver uma praia que deves
amar, chama-se praia da Granja, local preferido de uma escritora muita
acarinhada aqui. Vais também conhecer o zoo de Santo Inácio, não é nada
parecido com o nosso, mas é fantástico também, e sempre podemos ter umas
horitas para degustar uns belos petiscos e claro está fazer a visita às caves e
não só...
... leva umas roupas mais abafadas, porque
apesar de ser verão sempre lá é um pouco frio, sei que gostas, mas não te quero
constipada.
No dia seguinte, manhã cedo tínhamos a “loja” arrumada, viajámos para
onde combinado, e a Mara estava deslumbrada com a paisagem que ia encontrando
ao longo daquelas estradas montanhosas. A meio do caminho almoçámos e
descansámos um pouco. Antes do jantar já estávamos em Gaia. Mara estava
estupefacta, pois todos os funcionários me serviam e me cumprimentavam
respeitosamente. O quarto era o mesmo de sempre, com aquela vista “maravilhástica”,
e Mara ficou espantada com tamanha sumptuosidade. Enquanto Mara se vestia a
preceito, pronta para o jantar eu arrumava as coisas, e falei: - aproveita bem
esta estada e amanhã vamos visitar algumas coisas bonitas amor, aproveita tudo
isto enquanto podes.
Mara estava deslumbrante, entretanto depois do jantar aproveitámos a
noite para uns pezinhos de dança e alguns cocktails, apesar do cansaço da
viagem apenas fomos para o quarto já depois das três da madrugada. Manhã
chegada, Mara já estava no varandim, olhando a bela paisagem, nesse dia
esperava levar ela a visitar algumas praias, e quem sabe as caves, a escolha
dela foi uma visita para as praias e tasquinhas, era óbvio. Como não conhecia
nada dali, era a sua primeira escolha. Visitámos Aguda, Valadares, Francelos e
Miramar onde ela ficou encantada com a capela denominada Senhor da Pedra. Bem
podia ela rezar, pensei eu.
Assim se passou uma semana, e a outra quase no final, entre as saídas às
vezes encontrava a “outra”, nossos olhares se cruzavam, mas sem Mara notar nada
de estranho, e estava quase a dar-se o acontecimento... a maior noite no norte
de Portugal, e era para essa que eu tinha tudo preparado, antes disso levara
Mara a visitar as várias caves com os seus pipos velhos, a enorme garrafeira.
Provas de vinhos e outras coisas mais, sempre peixinho fresco normalmente
assado, apesar de algumas vezes almoçarmos no hotel.
(continua na próxima edição)