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quarta-feira, abril 21, 2021
  O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 20 de abril de 2021

                O RETIRO DO QUEBRA BILHAS - UM CONTO EM SEIS EPISÓDIOS

Enquanto aguardamos pelo final do prazo para a receção das pontuações dos nossos leitores-jurados ao último conto do concurso “Um Caso Policial em Gaia”, prosseguimos a publicação do original “O Retiro do Quebra Bilhas”, uma micronarrativa em seis episódios da autoria de A. Raposo, um saudoso amigo das “lides” policiárias que homenagearemos ao longo deste ano com a realização de um torneio de decifração destinado prioritariamente a principiantes, mas aberto a todos, que arrancará logo após o anúncio do vencedor do nosso concurso de contos.

“O Retiro do Quebra Bilhas”, de A. Raposo

2º. Episódio - Do Martim Moniz ao Campo Grande

Sesinando acordou com a boca a saber a papéis de música. Dormiu mal até às três da manhã. Os quartos da pensão “Bons Sonhos” eram baratos – 15 escudos uma dormida, mas o quarto era minúsculo onde mal cabia o divã de molas e as paredes eram tabiques de madeira, o que dava para se ouvir tudo o que se passava aos lados.

Estava convencido que a pensão mal dava tempo para sonhar pois se as cabo-verdianas que faziam o Largo Martim Moniz entravam e saiam várias vezes e o cabo-verdiano é assim, é expansivo na cama...

Sesinando não exigia mais pelos 15 paus.

Lá pela madrugada adormeceu profundamente e agora já estava pronto para sair. Banho nem vê-lo. A pensão não tinha! Nem tampouco águas correntes – nem quentes nem frias. Era pegar ou largar. Pelo preço não se podia pedir mais.

(Divertiu-se a fumar e a beber Sagres até às duas da manhã e a ouvir mornas e boleros tocados pelos ceguinhos-músicos do Bar Bolero. Não foi em engates. Ainda era cedo. Havia muito tempo para a esbórnia)

Vestiu-se e petiscou um copinho de leite na leitaria da esquina e seguiu o seu objetivo: ir ver o lago dos barcos do Campo Grande e espreitar – e eventualmente almoçar no retiro do Quebra Bilhas.

Alguém lhe falara da casa. Com mesas de correr e um caramanchão a sombrear e refrescar o ambiente. Comida caseira e bom vinho da pipa.

Estava danadinho para comer umas iscas com elas, um prato do seu agrado e que não o via há mais de dois anos.

E lá foi o nosso alferes Sesinando a pé – agora já à civil, pela Almirante Reis acima até ao Areeiro e depois Avenida de Roma até ao Campo Grande.


3º. Episódio – Fado do Cacilheiro

Um banco de jardim pode ser o começo de uma bela relação. O alferes Sesinando esparramado no banco de tiras de madeira olhava embevecido Milú e seu canito Lanudo.

Pelo canto do olho fazia-lhe o retrato. Media a cena e com voz melosa para boi dormir tentou uma aproximação já mais que vista, mas de resultados certos e garantidos.

- Desculpe o meu atrevimento mas a menina Milú por acaso não mora no Bairro de Alvalade? É que a sua cara não me é estranha...

- Não, enganou-se. Moro na Avenida de Roma, ali ao pé do Hospital dos malucos, o Júlio de Matos. Conhece?

- Mesmo agora passei por lá, vim a pé desde o Martim Moniz, para ver como Lisboa já mudou nestes 3 anos que estive fora na guerra, em Angola. É uma zona muito chique!

- Lá isso é verdade! Só mora ali gente boa e simpática. Eu vivo com um construtor civil, um homem já de uma certa idade e que anda sempre por fora. Agora está em Cabo Verde a construir um “resort” de luxo. Só cá vem de dois em dois meses. Eu tenho a companhia do Lanudo. Vivo muito só!

- Tal como eu. Não se queixe. A vida é assim. Mas agora me lembrei... eu ainda não me apresentei. Sou o alferes Sesinando. Cheguei ontem no navio Niassa. Ando a ver se localizo o Retiro Quebra Bilhas. Disseram-me que fazem lá umas iscas como não há noutro restaurante em Lisboa. A menina conhece?

- Se conheço o Quebra Bilhas? Conheço eu lá outra coisa! Até já lá cantei...

- Não me diga. Então está já convidada para lá irmos almoçar. Mas ainda é tão cedo, a menina já andou aqui no lago nos barquinhos? É aqui tão perto. Mesmo ao lado. Podíamos dar ali um passeio. Eu remava e a menina pegava no Lanudo.

- Nem pensar. Tenho um medo do mar e depois nem sei nadar...

- Lá por isso não seja obstáculo. Acontece que o lago tem água mas dá-lhe pelos joelhos, ninguém lá morreu afogada.

- Ah, julgava que fosse mais fundo. Nem lá fui. Barco para mim só o cacilheiro. Lisboa-Cova do Vapor. Praia. Sol. Calor. Verão.

- Bem então vamos dar uma voltinha e eu canto-lhe o Fado do Cacilheiro enquanto remo. Era romântico, não acha?

Milú pensou um pouco e depois cedeu. Estava danadinha para dar uma voltinha acompanhada do simpático alferes. Depois, ele cheirava tão bem. Ou seriam as flores do jardim? Ali ao lado havia um roseiral.

O encarregado dos botes indicou um azul celeste e lá entrou o alferes, que deu a mão à Milú que apertava assustada o Lanudo contra o peito.

Com duas remadas fortes do alferes o bote seguiu o seu caminho e Milú sorriu encantada. Nunca for no bote. Era a primeira vez! E estava a gostar.

Sesinando começou a trautear o Fado do Cacilheiro. Um êxito revisteiro.

(na próxima edição serão publicados mais dois episódios)

 
terça-feira, abril 13, 2021
  O DESAFIO DOS ENIGMAS - edição de 10 de abril de 2021

                      TORNEIO DE INICIAÇÃO A. RAPOSO ARRANCA EM BREVE

Tem início em breve um Torneio de Iniciação, durante o qual passaremos em revista alguns dos muitos problemas policiários produzidos por A. Raposo, especialmente destinado aos “detetives” principiantes na vertente de decifração. No entanto, embora esta competição seja prioritariamente destinada a estreantes ou praticantes com menos de três anos de atividade na modalidade, poderão também participar outros policiaristas com mais experiência. Para o efeito, serão constituídos dois grupos com classificações e processos de avaliação distintos, como a seguir se explica pormenorizadamente. Recorde-se, entretanto, que A. Raposo (António Raposo) foi uma figura de referência do mundo policiário, por todos estimado, tendo sido o criador do impagável Detetive Tempicos e de icónicas personagens como “Nelinha” e sua sobrinha “Katinha”, protagonistas de inúmeras e inesquecíveis aventuras, que nos deixou o ano passado aos 84 anos.

TORNEIO DE INICIAÇÃO A. RAPOSO

Grupo de Iniciados

Este torneio destina-se especialmente a “detetives” principiantes na vertente de decifração. As propostas de solução dos concorrentes serão avaliadas pelo orientador da secção, que lhes atribuirá entre 5 a 10 pontos, correspondendo 5 à simples presença e 10 à solução integral do problema, sendo as pontuações intermédias definidas de acordo com o grau de resolução. Será vencedor do torneio o concorrente que no final acumule o maior número de pontos, sendo distinguido com o Troféu A. Raposo. Os concorrentes posicionados nos dois lugares subsequentes da classificação final serão distinguidos com as Taças A. Raposo & Lena e Tempicos & Tempicas.

TORNEIO DE INICIAÇÃO A.RAPOSO

Grupo Especial

Embora este torneio seja prioritariamente destinado a iniciados, estreantes ou praticantes com menos de três anos de atividade na modalidade, poderão também participar outros policiaristas com mais experiência. Estes últimos integração um grupo especial com uma tabela classificativa distinta, que premiará as três melhores soluções em cada prova com 10, 8 e 5 pontos, respetivamente. O vencedor será o concorrente que acumule no final um maior número de pontos, sendo distinguido com o Troféu Detetive Tempicos. Os concorrentes posicionados nos dois lugares subsequentes da classificação final serão distinguidos com as Taças Nelinha e Katinha.

A.    RAPOSO – UM CONTISTA DE PRIMEIRA ÁGUA

Para além de um brilhante e imaginativo produtor de enigmas policiários, A. Raposo foi igualmente um contista de inegável valor, com um recorte literário fino e envolvente, reconhecido sobretudo pela sua criatividade e por um sentido de humor muito peculiar e um espírito crítico agudo, a que acrescia uma enorme capacidade de síntese. Por essa razão, antes de revisitar a sua obra policiária e enquanto aguardarmos pelos resultados finais do nosso concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia”, vamos publicar um dos seus contos publicados pelas “edições Fora da Lei”, que nos permite visitar “uma Lisboa icástica, hoje quase desaparecida”.

“O Retiro do Quebra Bilhas”, de A.Raposo

1º. Episódio - Histórias de Lisboa do Antes de 25 de Abril

O alferes Sesinando tinha acabado de desembarcar do Niassa no Cais da Rocha, em Lisboa.

O saco de roupa à civil e algumas recordações de África, mais propriamente de Angola, era toda a sua riqueza.

Lá de Freixo de Lamego de onde era natural, uma aldeia perdida nas predarias da montanha, deixara os pais e os dois ou três amigos. Trabalho por lá não havia, nem à partida nem à chegada. Isso sabia bem, pois sempre recebia um ou outro aerograma doa pais quando estivera no mato dois longos anos.

Ali estava ele, com um futuro obscuro à sua frente, mas são como um pero e sem marcas da guerra. Vinte e um anos, já a fazer vinte e dois em agosto que já vinha perto.

Notava-se pelo calor.

Aliás, a guerra era para esquecer. Nada mudara em Angola e pelos vistos nada mudara em lado nenhum.

Pensara ir para França. Diziam que se encontrava facilmente trabalho e nem pago. Em francos. O pior era a língua. Não dominava.

Tinha ainda uns escudos no bolso frutos das trocas de coisas com os pretos. O saco vinha carregado de pau de Cabinda, madeira que se vendia bem em Lisboa. Era o seu pé de meia.

Meteu-se num elétrico e veio até ao Martim Moniz, local onde ele sabia haver pensões baratas para pernoitar e onde se dizia que a noite era divertida.

Ali à esquina ficava a conhecida “Base Aérea nº. 1”, nome de guerra do Bolero, um bar de terceira categoria com música ao vivo.

Uma orquestra de três ceguinhos da Associação Luiz Braille que iam ali tocar na noite (para eles era sempre dia!) para fazer uns tostões extra. Entre as gargalhadas do mulherio já tocado e os acordes desafinados das concertinas uma nuvem de fumarada tapava das vistas muitas desgraças.

O bar era frequentado por senhoras que já tinham feito duas guerras, mas que continuavam firmes e prontas a enfrentar qualquer batalhão, por mais armado que fosse, desde que lhe oferecessem vinte paus e uma cerveja.

Sesinando estava precisado. Tinha de mudar o registo e retirar o mato da sua cabeça. Agora a guerra dele era outra. Havia música, cerveja e putedo. E viva a “peluda”!

(na próxima edição serão publicados mais dois episódios)

 

 

 

 
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