BÚFALOS ASSOCIADOS VENCEM CONCURSO DE CONTOS
Juntamente com o último episódio do conto “O Retiro do Quebra Bilhas”, de A. Raposo, publicamos nesta edição a classificação final do nosso concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia”, que mobilizou 13 (treze) escritores e 47 (quarenta e sete) leitores-jurados. Foram estes últimos que tiveram a difícil tarefa de ir pontuando conto a conto, numa escala de 5 a 10 pontos, em função dos diversos parâmetros que compõem a escrita criativa, desde a qualidade literária, originalidade, enredo, mistério e desfecho, depois de 30 (trinta) dias de leitura, releituras e reflexão. Sublinhe-se que houve entre os jurados uma grande sintonia na apreciação dos textos, com uma diferença mínima da pontuação atribuída em cada narrativa que ia surgindo ao longo das 22 (vinte e duas) edições do AUDIÊNCIA GP em que a prova decorreu. E tal foi a sintonia da opinião manifestada pelos jurados que foi preciso recorrer às milésimas da média pontual atribuída para alinhar a classificação final. Como se constata na tabela que fecha esta edição, no primeiro lugar surge a dupla Búfalos Associados, que suplantou Inspetor Boavida por uma média pontual de menos de uma centésima, que por sua vez superou por menos de uma décima Hayes, o que revela quão renhida foi a disputa entre os concorrentes que ocupam os lugares do pódio. E não só!
“O Retiro do Quebra Bilhas”, de A. Raposo
6º. e último Episódio – Um Desfecho Imprevisível
A situação parecia complicada. O marido a chegar a casa e encontrar na
cama a mulher com um tropa.
Costa só veio a saber que Sesinando era tropa depois da Milú ter contado
a história toda de uma ponta à outra.
Costa continuava com a mala na mão, a ouvir a história, contada pela
Milú, enquanto o alferes Sesinando, encolhido, quase desaparecia por entre os
lençóis.
Costa pousou a mala, finalmente, e
afirmou:
- Vamos lá resolver o caso. Se houve mergulho no lago tem que haver roupa
molhada dos dois. Se isso se confirmar a história está verosímil e eu até posso
ir ao Lago do Campo Grande confirmar o acidente. Não vejo nada de mal na
história mas já agora gostaria de saber quem é o senhor que se meteu na minha
cama. Isto é se não se importam e se não incomodo!
O alferes apresentou-se:
- Apresenta-se o alferes Sesinando, 3ª. Companhia de Comandos da Amadora.
A história que a menina Milú acaba de contar é perfeitamente verdadeira e a
minha relação com ela tem sido do maior respeito. Convidei-a para dar uma
voltinha de barco na melhor das intenções. Desembarquei ontem do navio que me
trouxe de volta ao puto. Amanhã entro na peluda. Isto é, fico livre da tropa.
Isto tem tudo a ver com o meu saudoso gosto por iscas com elas e
recomendaram-me a casa de pasto O Retiro do Quebra Bilhas, não sei se
conhece...
Costa sentou-se na cama e retrocou:
- Não conheço eu outra coisa. Cheguei agorinha de Cabo Verde e estava a
pensar ir lá comer um cozido. Hoje é dia. Meu caro amigo, fazem lá um cozido de
estalo!
Sesinando acrescentou:
- Acontece que tenho a roupa toda molhada e só lá para a tarde é que fica
seca...
- Ó Milú vê lá se arranjas aí um fato meu, velho, que lhe sirva e mais o
resto da roupa. Que número calça o meu alferes?
- 41. Biqueira larga.
- Ótimo, eu calço 42. Fica-lhe a crescer um pouco mas não lhe caem dos
pés! Vamos lá então todos almoçar que já estou cá com uma larica...
Dali ao Retiro do Quebra Bilhas era um pulinho. Até servia para abrir o
apetite.
E lá foram os três, mais o canito, almoçar no Quebra Bilhas.
“UM CASO POLICIAL EM GAIA”
Desce hoje a cortina sobre o concurso de contos que animou a nossa secção desde junho passado e que mereceu o agrado dos leitores que nos acompanham desde a primeira hora, manifestando-o de diversas formas: participando ativamente na apreciação dos originais concorrentes de forma regular; pedindo informações sobre alguns dos autores, sua idade, atividade profissional e nível de experiência literária; e expressando o desejo de que esta iniciativa conheça uma nova edição. Em resposta a esta última questão, confirmamos o regresso deste nosso concurso de contos policiais, desafiando-os (a estes e a todos os restantes leitores) a que participem... desta vez também como escritores! Gostávamos de os ver como autores de contos, a discutir de igual para igual com outros nomes, como os que figuram na classificação final desta edição 2020-2021.
Classificação Final
O escalonamento dos contos, que agora se publica, mais do que nos pôr ao
corrente da posição final alcançada por cada um deles, vem realçar o nivelamento
da qualidade da generalidade dos originais, o que nos obrigou a recorrer às milésimas
da pontuação média obtida por todos: 8!
1º. “O Inspetor Garrett e o Caso de Lavadores”, de Rui Mendes:
8,631 pontos;
2º. “O Manto Negro da Vida ou As Cinco Cores da Sorte”, de Insp.
Boavida: 8,624 pontos;
3º. “Janela Indiscreta”, de Hayes: 8,532 pontos;
4º. “Necas e Lecas”, de Ma(r)ta Hari: 8,449 pontos;
5º. ” O Meu Velho Tio Ambrósio”, de Inspetor Mokada: 8,432 pontos;
6º. “A Ilha do Frade”, de Bernie Leceiro: 8,422 pontos;
7º. “Reconciliação Fatal”, de Rigor Mortis: 8,413 pontos;
8º. “O Caso do Cangalheiro da Treta”, de Comissário Lanterna: 8,402
pontos;
9º. “Uma História Inverosímil”, de Detetive Mel: 8,334 pontos;
10º. “Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética: 8,321 pontos;
11º. “Vingança Frustrada”, de Inspetor Moscardo: 8,234 pontos.
12º. “Aconteceu em Gaia”, de Abrótea: 8,233 pontos;
13º. “Apenas um Sonho”, de Agrafa Dor: 8,231 pontos.
MAIS DOIS EPISÓDIOS DO CONTO “O RETIRO DO
QUEBRA BILHAS”
Quando estamos apenas a uma edição de sabermos quem venceu o concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia”, damos a conhecer mais dois episódios d’ “O Retiro do Quebra Bilhas”.
“O Retiro do Quebra Bilhas”, de A. Raposo
4º. Episódio – Amores de Milú
Ainda não vos falei do passado da
menina Milú. Sei do vosso interesse e por isso deixei os intérpretes a
enxugarem-se no Lago do Campo Grande para vos pôr ao corrente da curta mas já
exuberante vida da menina Milú.
Maria da Luz fez a escola no
Maria Amélia em Lisboa e aos 16 anos teve o primeiro desgosto de amor, dos
muitos que vieram depois.
O seu namorado – veio a saber
mais à frente – utilizara-a como cortina de fumo pois fora apanhado no Parque
Mayer com um colega aos beijos. Uma amiga viera piedosamente avisá-la.
Depois foi um pegador de touros.
Era um rabejador. Não dava a cara ao touro, pegava-o pelo rabo, o que evitava
levar uma cornada. Salvador era um lindo moço. De cabelo louro escorrido e de
risco ao meio. Ao longe na Praça de Touros parecia um pajem. Porém, o namoro
durou pouco.
Salvador tornara-se aborrecido.
Só gostava de a ter ao colo e quando ela acedia começava a imitar a corneta do
inteligente como se fosse a hora da pega.
A primeira vez tivera piada,
depois era uma maçada. Mandou-o rabejar para outro lado.
Milú tinha um dia prometido a
Santa Engrácia de quem era devota, que levaria a virgindade até à noite do
casamento. Como mandavam as regras da Santa Madre Igreja. Queris seguir a vida
de Santa Engrácia, a virgem mártir se fosse necessário. Milú ia à missa todos
os domingos e até tinha feito a comunhão. Porém os anos foram passando e Milú
já com 27 anos começava a ver que não lhe aparecia namorado de jeito.
Um
dia em que estava no Café Londres a tomar uma bica foi-lhe apresentado o Sr.
Costa, um abastado construtor civil, homem já entrado na idade e que, soube
depois, tivera papeira já em adulto, o que influenciou o normal funcionamento
dos órgãos reprodutores.
Esta
última parte da infertilidade estaria para provar e a sua amiga Manuela que o
apresentou acabou dizendo não ter lá muita certeza se a doença provocara mesmo
algum distúrbio ao Sr. Costa.
Veio a saber depois que ele tinha
mulher e filhos em Tomar, coisa que o próprio não desmentiu quando foram ao
cinema Império ver um filme de amor.
Costa abriu o jogo. Queria ter em
Lisboa um aconchego. Um ombro amigo, uma amiga que lhe tratasse bem e soubesse
dirigir um apartamento mobilado à maneira. Em troca nada pedia senão a sua boa
disposição e alegria de viver. Nada mais.
Milú topou o jogo e embarcou no
negócio. Com uma condição. Ela queria continuar virgem até à consumação do
casamento. Costa fechou o negócio.
Ele tinha uma apartamento na Avenida de Roma, mas raramente estava em Lisboa. Tinha muitos negócios em Cabo Verde e estava a construir um hotel na cidade da Praia.
5º. Episódio – Ainda no Lago do Campo Grande
O alferes Sesinando, a menina
Milú e o canito Lanudo boiavam no Lago do Campo Grande com grande espalhafato.
O barco voltara-se e os remos escaparam-se.
Os tripulantes dos outros
barquinhos tentavam aproximar-se e salvar os náufragos.
Milú gritava, o cão gania e o
alferes tentava puxá-los para terra.
A queda na água não chegava para
afogar ninguém, mas a roupa essa ficava completamente encharca e a colar-se ao
corpo. Um casal em terra sorria.
O encarregado dos barquinhos
rapidamente foi buscar os três náufragos e levou-os para uma casinha ao lado da
bilheteira onde lhes forneceu umas mantas.
O alferes Sesinando culpava-se e
pedia desculpa pelo banho forçado mas nada podia modificar. O que estava feito,
estava feito. Milú pediu ao encarregado para chamar um táxi e convidou o
alferes para ir também.
E lá foram os três embrulhados em
finas mantas até à Avenida de Roma.
Chegados ao 1º. andar, Milú
indicou ao alferes uma casa de banho. E desenvolta acrescentou: Depois do banho
deite-se na cama enquanto eu vou arranjar no roupeiro uma roupa do meu marido
que talvez lhe sirva, pelo menos enquanto a sua seca. Eu também vou na outra
casa de banho. Esteja à vontade.
O alferes até nem tinha
alternativa. Estava encharcado até aos ossos e os sapatinhos novos, de verniz,
estavam uma desgraça. Pensou se o marido da Milú não teria também uns sapatinhos
tamanho 41... já agora se não se incomodasse muito... pensou e sorriu!
Assim que se lavou e limpou para
o quarto da Milú e meteu-se entre os lençóis, obviamente como viera ao mundo.
Já estava quase a passar pelas brasas quando surgiu a Milú também sem roupa e
correu metendo-se na cama ao lado do alferes.
Milú retirou um braço de dentro
dos lençóis e apontou ao alferes:
- Meu amigo, nada de intimidades.
Somos só amigos. Ponto final.
O alferes Sesinando sorriu e
fechou os olhos. Que mais lhe haveria de acontecer?
Cinco longos minutos se passaram.
Num silêncio profundo que pairava no ar alguém meteu a chave à porta.
Lanudo correu ladrando, farejando
algo.
O Sr. Costa surgiu no quarto, de
mala de viagem numa mão, chave na outra e um olhar basbaque. Abriu a boca
estupefacto e balbuciou:
- Mas o que se está aqui a
passar?
O cão veio abanar a cauda e
ladrar ao dono, feliz.
O Sr. Costa é que não parecia
muito agradado.
(na próxima edição será publicado o último episódio)