CINCO ANOS DE
DESAFIOS E ENIGMAS NO AUDIÊNCIA
Cinco anos e 120 edições depois do seu nascimento, a secção O Desafio
dos Enigmas faz uma breve pausa no “Torneio de Iniciação A. Raposo” para um
balanço da sua caminhada até ao momento presente. No dia 1 de junho de 2016, em
chamada de primeira página do (então) Novo Audiência, podia ler-se: “A partir
desta edição, o Leitor é o Detetive”. E na página 9 explicava-se que, edição a
edição, iríamos dar espaço à imaginação e criatividade dos nossos leitores,
desafiando-os a participar nos diversos passatempos que passariam a constituir
esta então jovem secção. E o primeiro desafio consistia na resolução de um
problema de Inspetor Boavida, que marcaria o arranque do nosso primeiro torneio,
que se estendeu até final do ano e consagraria como grande vencedora a leitora
Madame Eclética que liderou brilhantemente um pelotão de 14 participantes desde
o primeiro momento, assegurando no final o Diploma de Mérito Ouro, logo seguida
de Inspetor Mucaba (Diploma de Mérito Prata) e de Zé de Mafamude (Diploma de
Mérito Bronze).
O ano seguinte foi marcado por duas iniciativas, que movimentou um
total de 38 concorrentes: o Torneio Policiário’2017 e o I Concurso de Contos
“Um Caso Policial em Gaia”. No caso do torneio policiário, que contou com a
colaboração de oito autores de outros tantos originais inéditos (A. Raposo
& Lena, Verbatim, Inspetor Boavida, Zé, Detetive Jeremias, Madame Eclética,
Daniel Falcão e Ma(r)ta Hari), registou-se a participação de 24 “detetives”,
tendo a vitória sorrido a Detetive Jeremias, que teve a companhia no pódio de Rigor
Mortis (segundo lugar) e Bernie Leceiro (terceiro lugar). No caso do concurso
de contos, verificou-se a participação de oito contistas, consagrando-se como
grande vencedor o veterano Luís Pessoa, acompanhando-o nas posições cimeiras os
autores Rigor Mortis (2º lugar), A. Raposo (3º lugar) e Inspetor Moscardo (4º
lugar).
A primeira metade de 2018 foi preenchida pela publicação de um conjunto
de oito problemas policiários, da autoria de M. Constantino, Inspetor Boavida e
Inspetor Fidalgo (6), que serviram de “aquecimento” para mais um torneio de
decifração (“Solução à Vista!”) e um primeiro concurso de produção de enigmas
(“Mãos à Escrita!”), que se estenderam até maio de 2019. No que respeita à
produção, responderam à chamada nove conhecidos policiaristas: Daniel Gomes, A.
Raposo, Rigor Mortis, Verbatim, Búfalos Associados, Abrótea, Bigode, Bernie
Leceiro e Detetive Jeremias, tendo a vitória recaído na dupla Búfalos
Associados, que foi acompanhada no pódio por Bernie Leceiro (segundo lugar) e Verbatim
(terceiro lugar). No que concerne ao torneio de decifração, participaram um
total de 33 “detetives”, tendo a vitória sorrido a Detetive Jeremias, que teve
por companhia nos três lugares seguintes Daniel Falcão (2º lugar), Bernie
Leceiro (3º lugar) e Airam Semog (4º lugar).
A partir de junho de 2019, estendendo-se até
maio de 2020, teve lugar a segunda edição daquelas duas provas de decifração e
produção, que envolveu 56 concorrentes. No concurso “Mãos à Escrita!”
participaram 10 produtores: Daniel Gomes, Rigor Mortis, Bigode, A. Raposo,
Búfalos Associados, Daniel Falcão, Abrótea, Bernie Leceiro, Detetive Jeremias e
Inspetor Boavida (extraconcurso), tendo-se consagrado vencedor Daniel Falcão,
acompanhado no pódio por Detetive Jeremias (2º lugar) e Rigor Mortis (3º
lugar). No torneio de decifração “Solução à Vista!” participaram 47 “detetives”,
com o triunfo final da dupla Búfalos Associados, após uma disputa renhida com Detetive
Jeremias (2º lugar), Inspetor Moscardo (3º lugar) e Zé de Mafamude (4º lugar).
Entre junho de 2020 e maio de 2021, realizámos a segunda edição do
concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia”, que reuniu treze originais de
outros tantos autores. Madame Eclética, Inspetor Boavida, Ma(r)ta Hari,
Inspetor Mokada, Inspetor Moscardo, Rigor Mortis, Detetive Mel, Búfalos
Associados, Comissário Lanterna, Agrafa Dor, Abrótea, Bernie Leceiro e Hayes
foram os escritores que submeteram originais a concurso, todos eles de uma
qualidade bastante apreciável na opinião da esmagadora maioria dos membros do
Júri. Na verdade, após o veredito de 48 (quarenta e oito) dos nossos leitores
que aceitaram assumir o papel de jurados, valorando a qualidade das
micronarrativas a concurso através de uma tabela pontual distribuída entre 5 e
10 pontos, atingimos uma média superior a 8 pontos. E nos três primeiros
lugares situaram-se, por esta ordem, Búfalos Associados, Inspetor Boavida e
Hayes, seguidos de muito perto pelos restantes dez concorrentes.
Entretanto, colocámos em marcha neste mês de junho um torneio de
iniciação à decifração de enigmas policiários, que nos acompanhará até meados do
próximo ano e que tem registado uma razoável participação dos nossos leitores. Se
bem que, apesar do torneio se encontrar já em velocidade de cruzeiro, é sempre
possível em qualquer altura integrar outros dos nossos leitores no pelotão de
concorrentes, porque o que importa é participar e, por outro lado, nem sempre
quem arranca primeiro chega ao fim nos lugares cimeiros. Recorde-se,
entretanto, que esta nossa iniciativa é também uma homenagem a António Raposo
(A. Raposo ou Raposo & Lena) um dos mais carismáticos policiaristas
nacionais, recentemente desaparecido do nosso convívio, autor de uma vastíssima
obra, e que foi um dos mais assíduos colaboradores da nossa secção desde a
primeira hora. São, aliás, de sua lavra alguns dos textos mais originais que
tivemos a honra de publicar.
A fechar esta edição da nossa secção, deixamos a seguinte informação: no
decurso do ano de 2022, levaremos a cabo um torneio de identificação de alguns
dos maiores escritores policiais de sempre em todo o mundo, onde se incluem
dois portugueses, que assinaram as suas obras com pseudónimo de origem inglesa
e situaram a ação em terras estrangeiras, na maioria norte americanas, tendo
sido traduzidos e publicados em dezenas de países, onde conquistaram um grande
prestígio e venderam largos milhares de
exemplares de cada um dos seus livros. Os seus nomes? – não vamos agora divulgá-los,
uma vez que é esse o desafio que iremos lançar com a iniciativa a que daremos o
nome de “Quem é, Quem é?!”. A partir de biografias breves desses grandes
escritores, sem referir a sua identidade, deixaremos pistas que levem os nossos
leitores a descortinar os respetivos nomes.
Mas outros desafios nos esperam no futuro próximo. Para já,
continuaremos a recordar (e a decifrar) alguns dos muitos enigmas assinados
pelo nosso Amigo António Raposo, a quem nos ligam inesquecíveis almoços de
confraternização e outros momentos de convívio divertidos e de sã camaradagem
em tertúlias policiárias realizadas nas mais diversas paragens, de norte a sul
do país.
PRIMEIRO PROBLEMA DO TORNEIO DE INICIAÇÃO A. RAPOSO
Sem mais delongas, devido à sua extensão, passamos a revelar a prova inaugural
do nosso torneio de iniciação, cuja proposta de solução deve ser enviada para o
orientador na secção no prazo máximo de 15 dias, após a sua publicação, através
do email salvadorpereirasantos@hotmail.com.
TORNEIO DE INICIAÇÃO A.
RAPOSO
Prova nº. 1
“A Morte Dança o Bolero”,
de A. Raposo
Meus caros amigos. Esta
história não lembra ao diabo. Faz parte das minhas memórias e só me propus
contá-la muito pressionado pela tertúlia dos policiaristas que frequentam, nas
últimas quartas feiras de cada mês, o restaurante da avenida da Liberdade, em
Lisboa.
Como sabem que estou
reformado da Judiciária, andam sempre a espicaçar-me, forçando-me a contar
casos complicados. São, aqui para nós uns sádicos... Como já não está em
segredo de justiça, proponho-me contar esta triste história.
Estava eu em serviço, naquela tarde, já lá vão uns
anos, ocupava na Judite o lugar de detetive. Durante a minha carreira, cheguei
a ter alguns sucessos, poucos, e muitos amargos de boca... Para quem não saiba,
o meu nome é Tempicos. Detetive Tempicos.
Nesse dia fui chamado a Telheiras, junto à Escola
Alemã, a uma vivenda de vários pisos, e com um pequeno jardim envolvente. Nessa
data ainda não existia na zona um enorme edifício tipo Coliseu Romano, também
para a prática desportiva e decorado que foi com uma coleção riquíssima de
estonteantes azulejos coloridos, que fazem as delícias dos amblíopes do Lumiar.
Fui chamado para investigar um caso de morte, na
pessoa do capitão Magalhães, homem dos seus sessenta e tal anos, militar
reformado.
Quando entrei, deparei com os dois sobrinhos do
capitão que viviam com ele, juntamente com uma velha criada. Um jardineiro ia
de vez em quando tratar do jardim.
A história do capitão Magalhães é de uma tristeza tal
que faria chorar as pedrinhas da calçada. Vejam só. O homem servira o País no
exército, tendo cumprido várias missões em África, até que, com o 25 de Abril,
regressou e encontrou a mulher com uma doença daquelas que não perdoam. O seu
único filho, já adulto, que tratara da mãe, resolveu abreviar-lhe o sofrimento
e enfiou-lhe uma dose bem aviada de tranquilizantes, pelo que ela ficou
definitivamente tranquilizada! O médico desconfiou... e, resumindo, o rapaz
acabou apanhando dez anos de prisão. Provou-se e ele confessou que tinha morto
a mãe, por piedade. O juiz que não encontrou nenhum decreto piedoso ferrou-lhe
a dose.
O capitão Magalhães era um homem de formação
militarista, conservador e católico ferrenho. Não perdoou ao filho aquele ato.
Com o conhecimento de todos, fez testamento a favor do sobrinho mais velho,
tendo alegado o artigo 2166 do código civil para retirar a parte “legítima” ao
seu filho. Segundo a versão dos sobrinhos, o tio resolveu acabar com a vida.
Para pôr em prática tal desiderato, subiu à sua sala, no 1º andar, um misto de biblioteca
e auditório de música, e deu um tiro na boca, embalado no som rítmico do Bolero
de Ravel, utilizando a sua arma de guerra, que trouxera de Angola, uma Walter,
que não foi devolvida ao exército e que ficou como recordação.
O sobrinho mais novo contou depois que na altura
navegava na “net” no andar por cima da biblioteca. Por volta das 3 da tarde
começou a ouvir o Bolero de Ravel. No decorrer da execução musical não ouviu
qualquer outro ruído. Só soube do caso quando foi alertado pelo irmão que foi
ter com ele à sua sala, já o tio estaria morto e a polícia avisada.
O irmão mais velho contou também a sua versão do caso.
Estava a carpinteirar na cave, preparando umas tábuas para produzir um pequeno
móvel, usando a sua alisadora elétrica nas madeiras. Apercebeu-se perfeitamente
do início da música que o capitão começou a tocar no gira-discos. Era o Bolero
de Ravel que o seu tio tanto gostava e que punha muitas vezes no ar. Lá para o
final da música, que anda demora um bom quarto de hora, ouviu um tiro e um
ruído como de um corpo a cair no chão. Largou tudo e correu subindo à
biblioteca, à sala do tio. Pela enorme ferida que observou na nuca e por o
corpo se encontrar imóvel, percebeu que a morte fora instantânea. Saiu, fechou
a porta à chave, meteu esta no bolso e correu ao telefone da casa, o único, que
se encontrava junto à porta da rua. Depois foi avisar o irmão e a velha criada.
A criada, coitada, estava na cozinha a tratar das
panelas. Ouviu a música e só depois o sobrinho do capitão lhe contou o sucedido.
A cozinha ficava no rés-do-chão ao fundo da casa.
O jardineiro que esteve toda a tarde a tratar dos
canteiros, deu uma boa contribuição ao caso. Contou que também ele era
melómano. Chegou a estudar música na sua terra natal. Viu o capitão chegar à janela,
fumando um cigarro e percebeu logo que ia haver concerto. O capitão deixou a
janela meio aberta e iniciou o Bolero de Maurice Ravel. Sabia que a execução
demorava um pouco mais de 16 minutos e sabia porque fora ele que oferecera o
disco ao patrão quando este fizera anos. Havia gravações que demoravam um pouco
menos, mas esta era tocada pela Orquestra Filarmónica Europeia tendo como
maestro H. Greenburg. Na parte final, já com todos os instrumentos em pleno, no
intervalo do bater dos pratos, ouviu um barulho que lhe pareceu um tiro. O seu
ouvido garantia que aquela nota de ruído não tinha sido escrita pelo
compositor... Por isso é que largou as flores e foi bater à porta da frente,
saber do caso, e, afinal com toda a razão, porque teria havido o eventual
suicídio do capitão.
O cenário da morte era um tanto violento, mesmo para
quem tinha como eu tanta prática. No primeiro andar, numa ampla divisão tipo
biblioteca/sala de música, um sofá estava estrategicamente colocado frente às
colunas e ao conjunto sintonizador-amplificador-toca discos.
Uma única janela, meio fechada. Um grosso tapete persa
ocupava toda a sala. Umas estantes com livros rodeavam a zona da aparelhagem
musical. A parede por detrás do sofá tinha alguns pequenos quadros de motivos
africanos.
O corpo do capitão jazia de bruços na espessa
alcatifa. Um buraco enorme e muito feio na nuca, por onde a bala saiu,
juntamente com muito sangue. A arma – uma Walter – de guerra, ficara por
debaixo do corpo. A bala que saiu foi alojar-se na parede por detrás do sofá, a
cerca de um metro e oitenta do rodapé. Os braços junto ao corpo. A morte teria
sido instantânea. Uma cápsula foi encontrada debaixo do sofá. O CD de Ravel encontrava-se
ao lado da respetiva caixa, sobre o “compact disc-player”. O aparelho estava
ligado, bem como o amplificador.
Este caso, na época deu muita celeuma na polícia. O
que me valeu foi que na altura as televisões ainda não andavam atrás dos casos
de polícia, como de pão para a boca. Por causa dele tive uma série de aborrecimentos
com a chefia e acabei pedindo a reforma antes do tempo (ou seriam eles que ma
deram?), mas isso já não interessará aos nossos amigos confrades...
Peço-vos a solução do caso e, já agora, digam-nos quem irá herdar a vivenda do capitão Magalhães, sabendo que ele fez testamento e a sua família se resumia aos que entraram na história.